
Foi exibido na Filmoteca Vaticana nessa quinta-feira (25/09) “As crianças de Gaza – Sobre as ondas da liberdade (How Kids Roll)”. Em um momento de crise no Oriente Médio e de conflitos espalhados pelo mundo, o filme deseja levar uma mensagem de esperança e de fraternidade ainda possível, por meio do olhar das crianças
Beatrice Guarrera e Andrea Moneta – Vatican News
“Temos sonhos, temos esperanças. Somos mais do que rebeldes. Somos mais do que simples alvos.” Essas palavras de uma menina que mora na Faixa de Gaza, recolhidas para o filme “As Crianças de Gaza”, hoje soam como uma afirmação de existência, mas também como um alerta para os adultos. O longa, dirigido por Loris Lai — candidato este ano como diretor estreante ao David di Donatello, prêmio do cinema italiano — traz consigo uma forte mensagem de responsabilidade e de esperança, lançada justamente pelas crianças, que, em sua inocência e pureza, se recusam a ser inimigos uns dos outros. Ao contrário, buscam futuros possíveis a serem vividos por meio da amizade.
Um apelo à fraternidade, portanto, que brota do exemplo dos protagonistas: Mahmud, um menino palestino de Gaza, e Alon, um menino israelense que vive em um colônia. O vínculo deles foi além das filmagens, como testemunharam os próprios intérpretes, presentes na exibição do filme esta quinta-feira, 25 de setembro, na Filmoteca Vaticana.
Na película, ambientada na Faixa em 2003, durante a segunda intifada, os dois protagonistas são unidos pela paixão pelo surfe, que lhes permite encontrar um terreno comum, apesar das dificuldades e do clima de ódio recíproco em que são obrigados a viver. Ao mesmo tempo, as armas continuam a matar e a espiral da violência não para. A vida é marcada por brincadeiras constantemente interrompidas pelas sirenes que anunciam o perigo da queda de bombas. Nesse terreno de inimizade, serão justamente as crianças a ensinar aos adultos o valor da vida e a força da esperança.
O olhar dos pequenos
É justamente o ponto de vista das crianças que está no centro do filme: “As crianças, pela idade que têm — explica o diretor Loris Lai — representam o futuro, representam aquilo que pode melhorar no futuro. Entre Palestina e Israel nunca houve uma situação fácil: agora, mais do que nunca, é uma situação terrível.”
Nesse contexto, as crianças são aquelas que “mostram um caminho alternativo: o próprio menino israelense, no filme, faz ao pai uma pergunta muito simples: quando tudo isso vai acabar? O pai responde: ‘Talvez quando não houver mais eles ou não estivermos mais nós’.” O filho então se pergunta por que não seria possível considerar uma terceira opção: a convivência entre as pessoas.
“Os dois meninos — continua Lai — conseguem, através do esporte, algo puro, derrubar aquelas barreiras e diminuir aquela diferença que, infelizmente, são obrigados a viver.”
A amizade contada no filme é uma amizade que depois se concretizou na vida real, explica o diretor: “No começo, os dois estavam um pouco distantes, se observavam, se estudavam, mas não estavam abertos à ideia de amizade. Depois de compartilharem o set e uma experiência humana extraordinária — já que era a primeira vez que atuavam em um filme — conseguiram, de algum modo, se aproximar.”
Por um mundo sem ódio
“Foi muito difícil fingir que o odiava” — explica o pequeno Mikhael Fridel, intérprete de “Alon”, ao falar de uma cena do filme em que há um momento de tensão com “Mahmud”, vivido por Marwan Hamdam. “Naquele momento da filmagem, eu era segurado pelos cabelos, ele tinha que jogar uma pedra em mim e precisávamos fingir que nos odiávamos e brigávamos”, continua. “Tivemos que sentir de verdade as emoções e viver aquela cena.”
No entanto, a experiência como um todo foi inteiramente positiva. “Todos os momentos foram bons, mas se eu tivesse que escolher um, provavelmente diria quando surfamos juntos em Cabo Verde.” Esse esporte foi uma novidade sobretudo para Marwan, natural de um pequeno vilarejo palestino perto de Haifa. “Atuar foi um pouco difícil, mas também muito divertido — observa o pequeno ator. — Há uma cena em que brigamos no filme. Foi muito difícil porque tínhamos que transmitir várias emoções: muita raiva, muita tristeza. O texto era longo, e o inglês não é minha língua materna. Mas no fim conseguimos. E estamos muito orgulhosos do que fizemos.”
Além de atuar, eu gostaria de ser piloto”, afirma Marwan. Já Mikhael, que vive em Londres com a família originária de Tel Aviv, tem projetos aparentemente simples para o futuro: “Queria que todos pudessem ser felizes, sempre, se isso fosse possível.” “Eu também espero isso”, responde Marwan.
Recomeçar a partir do amor pela vida
Em um momento em que Gaza está exausta — depois de quase dois anos de guerra e de ter sido praticamente reduzida a escombros pelos ataques israelenses —, a mensagem do filme é mais atual do que nunca. “Na guerra todos sofrem — observa Paolo Ruffini, prefeito do Dicastério para a Comunicação, que apresentou a exibição na Filmoteca Vaticana. — É verdade, talvez no fim exista um vencedor, mas o que é um vencedor? Como se conquista a paz? Como ainda se pode esperar pela paz? Como ainda se pode sentir amor uns pelos outros? Como acreditar em uma terceira possibilidade, diante da falsa ideia de que a única alternativa é morrermos nós ou morrer o outro?”
Ruffini recordou então as palavras de um famoso poema de Giuseppe Ungaretti: “No meu silêncio escrevi cartas cheias de amor; nunca estive tão ligado à vida”. “É daqui que devemos recomeçar — afirma o prefeito. — Do amor pela vida. Vivemos um tempo confuso e infeliz. Infeliz justamente porque incapaz de sentir compaixão. Porque perdeu o olhar puro das crianças.” A esperança deve ser a de recuperar esse olhar e, com essa semente de esperança, rezar, “cada um segundo a sua fé, para que cesse a ilusão da guerra e volte o espírito de paz.”
A mensagem de fraternidade
“A fraternidade é a base da humanidade e a mensagem de Cristo se fundamenta nisso mais do que nunca”, comenta Tarak Ben Ammar, produtor do filme junto com Elda Ferri. “Com tudo o que está acontecendo no Oriente Médio, mas também na Ucrânia, são justamente as crianças que ensinam aos adultos.” Daí nasce a vontade de “enviar não uma mensagem política, mas de paz.” Assim, a história de amizade que se concretizou na vida real “é a prova de que o cinema promove fraternidade e transmite mensagens de paz.”
No momento em que o “cessar-fogo” é adiado sem parar, em meio a ameaças, represálias, massacres e desespero, surge então a pergunta inevitável: quando o mundo vai ouvir o grito das crianças de Gaza de hoje? Retomando as palavras do pequeno “Alon” no filme, a questão mais urgente é: quando tudo isso vai acabar?
Fonte: Vatican News

