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Que peso evangélicos tiveram na trama golpista julgada pelo STF?

Evangélicos votaram em peso em Jair Bolsonaro (PL) e, quase três anos após seu plano de reeleição ir a pique, continuam lhe atribuindo índices de aprovação superiores aos da média da população. Mas qual foi o papel desse bloco religioso na agenda golpista que rendeu condenações ao ex-presidente e asseclas no STF (Supremo Tribunal Federal)?

Pequeno não foi, mas, para responder essa pergunta, é preciso considerar as complexas interseções entre fé e poder. Houve, sim, uma onda evangélica na maré antidemocrática que desaguou nos ataques de 8 de janeiro de 2023. Mas o dia em si não teve adesão institucional de nenhuma grande igreja, mas uma mobilização difusa de fiéis e pastores bolsonaristas.

O quebra-quebra ganhou voltagem profética para parte dos ali presentes. Pastores transmitiam orações em tempo real, cantores gospel entoavam hinos, e caravanas organizadas por igrejas desembarcavam sob a promessa de travar uma guerra espiritual contra inimigos imaginados no Supremo, no Congresso e no Palácio do Planalto.

A Polícia Federal identificou um punhado de líderes evangélicos na turba. Francismar Aparecido da Silva, por exemplo, foi preso no acampamento em frente ao quartel do Exército, no dia seguinte à depredação na capital federal. Ele se apresentava como presidente de uma igreja em Minas, o Ministério Evangelístico Apascentar, e em dezembro de 2022 publicou na internet um vídeo de Bolsonaro com a legenda: “A mensagem foi dada a quem quer a paz. Se prepare para a guerra!”.

João Marciano de Oliveira tem uma igreja, Jesus Cristo É a Razão do Meu Viver, e foto com a deputada Carla Zambelli (PL-SP). Como sua inspiração parlamentar, terminou preso.

Até ser encarcerado, Jorge Luiz dos Santos liderava um templo que dizia bancar vendendo caldo de cana, numa comunidade no sul de Minas. Pastor Shalom era como o chamavam. Condenado a 16 anos e seis meses de prisão, teve prisão domiciliar liberada por Alexandre de Moraes neste ano, por conta da saúde debilitada.

O cantor gospel Salomão Vieira chegou a dizer que foi alvo de mandado de prisão “simplesmente” por estar em Brasília no dia com uma Bíblia e uma bandeira do Brasil. Liderou cultos entre acampados em São Paulo que questionavam a vitória de Lula (PT) contra Bolsonaro.

Fernanda Ôliver, cantora gospel, foi outro caso midiático. A tocantinense ganhou o título de musa golpista, com seu visual de Barbie, ícone pop que já revelou admirar nas redes sociais. Foi presa, e depois solta, sob acusação de fomentar a chamada “Festa da Selma“, codinome para a invasão da praça dos Três Poderes.

Relatos colhidos pela PF revelam que o fervor religioso não parou na retórica. Fiéis como Sirlei Siqueira e Jamil Vanderlino, ambos de Sinop (MT), contaram ter viajado em excursões bancadas por igrejas locais.

O pano de fundo é a aliança entre bolsonarismo e quinhões evangélicos, que já havia dado o tom de eleições passadas. Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião e autora de “Do Púlpito às Mídias Sociais: Evangélicos na Política e Ativismo Digital”, aponta 2016 como ponto de virada para o que chama de “messianização da imagem de Jair Bolsonaro”.

Foi nesse ano que ele, então deputado do baixo clero, entrou no PSC (Partido Social Cristão, depois incorporado ao Podemos). Pastor Everaldo, presidente da sigla, batizou simbolicamente o novo filiado no rio Jordão —vale lembrar que Bolsonaro nunca deixou de se declarar católico.

Nem precisava. Logo virou o maior aliado que pastores de quilate nacional já tiveram no Planalto, uma espécie de presidente “pancristão”, que navega entre catolicismo e evangelicalismo. Essa aproximação entre Bolsonaro e igrejas, para Cunha, pavimentou a “reação radicalizada para manter a mesma proposta de governo em 2023”.

Entra aí a teologia da batalha espiritual, que ganha contornos político-ideológicos ao projetar forças do bem (cristãos, e de direita) contra inimigos trevosos (todo e qualquer progressista).

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro ilustrou-a bem quando, em ato na avenida Paulista a favor do marido, em 2024, puxou a orelha dos pares de fé: “Por um bom tempo fomos negligentes, a ponto de falarmos que não mistura política com religião, e o mal ocupou. Chegou o momento da libertação”.

Alguns pastores preferiram uma cautelosa distância de Bolsonaro após o naufrágio eleitoral em 2022, e as sequenciais implicações jurídicas para o ex-presidente desde então. “Historicamente”, afirma Magali Cunha, muitas igrejas “são institucionalmente pragmáticas: dão visibilidade a apoios políticos quando os benefícios calculados são garantidos, e numa crise se retiram”.

Outros persistiram endossando Bolsonaro, com mais ou menos ênfase. Silas Malafaia foi a mais barulhenta dessas vozes. Acabou como o único pastor de relevância nacional enredado no inquérito do STF que implicou Bolsonaro por pretensões golpistas, ao menos por ora.


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