
O Brasil é um dos que pune com menos anos tentativas de golpe se comparado a países democráticos com proximidade geopolítica, aponta estudo de direito comparado.
A complacência vem também com a possibilidade de anistia, dada a todas as seis tentativas de golpe fracassadas no país —sem contar a de 2022. Permanece em aberto possível perdão para a sétima trama golpista nacional que não obteve êxito, liderada por Jair Bolsonaro (PL).
Nesta quinta-feira (11), o STF (Supremo Tribunal Federal) condenou o ex-presidente por 4 votos a 1 em razão da trama para tentar mantê-lo no poder. Ele foi sentenciado a 27 anos e 3 meses de prisão, sendo o primeiro ex-presidente no país punido por esse crime. Há possibilidade de recurso antes de uma condenação definitiva. A defesa afirmou que vai recorrer.
Foram somadas as penas vindas da condenação por cinco crimes, dois deles classificados como antidemocráticos.
O primeiro, de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tem pena máxima de 8 anos e rendeu a Bolsonaro 6 anos e 6 meses de reclusão. O segundo, intitulado na legislação como golpe de Estado, tem pena máxima de 12 anos e gerou ao ex-presidente prisão de 8 anos e 2 meses.
Assim, a pena total de Bolsonaro alcançou 27 anos pela soma dos delitos, embora o crime contra as instituições democráticas que mais pune na legislação não ultrapasse o teto de 12 anos.
Um estudo de 2023 feito com outros dez países aponta que o Brasil fica entre aqueles com menor pena máxima para a tentativa de golpe. Os especialistas em direito Lucas Miranda, mestre pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e Túlio Vianna, doutor pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), compararam o Brasil com Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Espanha, Portugal, Canadá, México e Argentina para chegar à conclusão.
De todos, o Brasil fica em segundo lugar —empatado com Portugal—, com a menor pena máxima para a tentativa de golpe, de 12 anos.
Fica na frente em termos de legislação branda a Itália, com pena máxima de 5 anos. Alemanha, Reino Unido e Canadá preveem prisão perpétua. Argentina e França também podem chegar a essa punição.
A condição para a legislação francesa é que os envolvidos sejam autoridades públicas. Na Argentina, a possibilidade de prisão perpétua se dá para “membros do Congresso que concederem ao Poder Executivo Nacional poderes extraordinários que coloquem à mercê do governo a vida, a honra ou a propriedade dos argentinos”.
Outra diferença entre o Brasil e alguns desses países diz respeito à previsão explícita de punição para os atos de preparação do golpe. Enquanto a legislação nacional prevê punição a partir da etapa de execução, outros países penalizam a preparação, a exemplo de Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França, Canadá e México.
Nesse grupo, chama a atenção que os EUA, com o modelo mais abrangente de liberdade de expressão, não hesitem em tipificar atos de instigação e conspiração, apontam Miranda e Vianna. O país prevê pena também de 20 anos para esses casos.
O tema sobre a punição de atos preparatórios e executórios virou parte central do julgamento de Bolsonaro como estratégia de defesa para tentar sua absolvição.
Os atos preparatórios são aqueles praticados antes que se comece a executar o dano ao bem jurídico protegido, incluindo o planejamento e a aquisição de armas. Já os atos executórios começam no momento em que se inicia a violência ou grave ameaça.
A diferença foi um dos fundamentos para o voto de absolvição a Bolsonaro dado pelo ministro Luiz Fux. O magistrado afirmou que não houve risco iminente aos bens jurídicos nas ações relacionadas —com provas— a Bolsonaro, como falas contra as urnas. Por isso, não caberia falar em execução do golpe ligada ao político.
Já outros ministros identificaram o início da execução em diferentes momentos da cronologia da trama golpista. Alexandre de Moraes, por exemplo, elencou 13 atos executórios, como o plano para matar autoridades.
“Toda a discussão jurídica que se teve sobre esse julgamento dos atos golpistas é basicamente se houve ou não o início da execução”, afirma Túlio Vianna. “Do ponto de vista jurídico, o Brasil só pune a partir do início da execução do golpe. Na maioria dos estados democráticos existe a previsão expressa do crime de conspiração.”
Ele avalia que o Brasil precisa aprimorar suas leis sobre crimes antidemocráticos, prevendo expressamente a punição para a fase de atos preparatórios, com penalização para conspiração e incitação.
Lucas Miranda entende que as penas no Brasil são baixas. Para ele, o país poderia se inspirar em propostas como a da Argentina de punir os casos de “concessão de poder extraordinário do Congresso para o Executivo, que seria um tipo de golpe branco”.
O histórico nacional também mostra leniência com as tentativas de golpe, segundo o historiador Carlos Fico, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Mapeamento do especialista aponta que foi dada anistia a todo golpismo fracassado no Brasil, a exemplo de tentativa de deposição do presidente Artur Bernardes, em 1924, e das duas tentativas contra Juscelino Kubitschek, em 1956 e 1959.
Ao todo, o historiador contabiliza 15 tentativas ou golpes efetivados no Brasil a partir da deposição de Pedro 2º em 1889. No mapeamento, ele foca o perdão dado às investidas sem êxito e não indica a anistia de 1979, por exemplo, por sua especificidade.
“Não foi pensada para anistiar os responsáveis pelo golpe de 1964. Até porque, como é óbvio, foi concedida por iniciativa do próprio regime militar. Ela acabou beneficiando os agentes da repressão, como os torturadores, porque a lei estendia a anistia aos crimes conexos aos crimes políticos.”
Carlos Fico diz estar pessimista sobre a possibilidade de não haver perdão também para o golpe de 2022, haja vista o histórico brasileiro. No Congresso, aliados do ex-presidente batalham por isso, mesmo com a indicação de que o STF deve considerar inconstitucional qualquer proposta que vise contemplar crimes antidemocráticos.
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