
Nesta quinta-feira (11), o STF (Supremo Tribunal Federal) brasileiro fez o que o Senado dos Estados Unidos e os tribunais tragicamente não conseguiram fazer: levar à Justiça um ex-presidente que atacou a democracia.
Em uma decisão histórica, o STF votou por 4 a 1 para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro por conspirar contra a democracia e tentar um golpe após sua derrota eleitoral em 2022. Ele foi condenado a 27 anos de prisão. Salvo um recurso bem-sucedido, o que é improvável, Bolsonaro se tornará o primeiro líder golpista na história do Brasil a cumprir pena de prisão.
Esses acontecimentos evidenciam um forte contraste com os Estados Unidos, onde o presidente Donald Trump, que também tentou anular uma eleição, não foi enviado à prisão, mas de volta à Casa Branca. Trump, talvez reconhecendo o poder desse contraste, chamou o processo contra Bolsonaro de “caça às bruxas” e descreveu sua condenação como “uma coisa terrível, muito terrível”.
Mas o presidente não apenas criticou o esforço do Brasil para defender sua democracia, ele também o puniu. Citando o processo contra Bolsonaro antes mesmo de sua conclusão, o governo Trump impôs uma enorme tarifa de 50% sobre a maioria das exportações brasileiras e sanções a vários funcionários do governo e ministros do STF. O ministro Alexandre de Moraes, que conduziu o processo, foi alvo de sanções particularmente severas sob a Lei Magnitsky.
Foi uma medida sem precedentes. O governo dos EUA impôs sanções a um ministro da Suprema Corte de um país democrático, algo que até então havia sido reservado a notórios violadores de direitos humanos, como Abdulaziz al-Hawsawi, envolvido no assassinato em 2018 do colaborador do Washington Post Jamal Khashoggi, e Chen Quanguo, um arquiteto da perseguição do governo chinês à minoria uigur. Após o veredito de Bolsonaro na quinta-feira, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, reforçou a política de Trump (e sua analogia) e disse que os Estados Unidos “responderiam de forma adequada a essa caça às bruxas”.
Em resumo, Trump procurou usar tarifas e sanções para intimidar os brasileiros de forma a subverter seu sistema de Justiça —e sua democracia com ele. Na prática, o governo está punindo os brasileiros por fazerem algo que os americanos deveriam ter feito, mas não conseguiram: responsabilizar um ex-presidente por tentar anular uma eleição.
As democracias contemporâneas enfrentam desafios crescentes de políticos e movimentos antiliberais que conquistam o poder por meio de eleições e depois subvertem a ordem constitucional. Líderes eleitos como Hugo Chávez na Venezuela, Recep Tayyip Erdogan na Turquia, Viktor Orbán na Hungria, Nayib Bukele em El Salvador e Kais Saied na Tunísia politizaram agências governamentais e as utilizaram para enfraquecer adversários e se consolidar no poder.
Uma lição das décadas de 1920 e 1930 —a última vez em que as democracias ocidentais enfrentaram tais ameaças internas— é que forças antiliberais nem sempre jogam limpo nas eleições. Elas estão mais dispostas que os liberais a usar demagogia e a recorrer a desinformação e violência para conquistar e manter o poder. Como os liberais europeus aprenderam durante esse período, a passividade diante de tais ameaças pode ser custosa. As democracias não se defendem sozinhas. Elas precisam ser defendidas. Mesmo os melhores mecanismos constitucionais são meros pedaços de papel, a menos que os líderes os exerçam.
Na última década, os EUA e o Brasil enfrentaram ameaças antiliberais. Os paralelos são notáveis. Ambos os países elegeram presidentes com inclinações autoritárias que, após perderem a reeleição, atacaram instituições democráticas.
Trump violou a regra fundamental quando se recusou a aceitar a derrota nas eleições de 2020 e tentou reverter os resultados em uma campanha que culminou na insurreição de 6 de janeiro de 2021.
Bolsonaro, um político de extrema-direita eleito em 2018, inspirou-se muito na estratégia de Trump. Atrás nas pesquisas à medida que se aproximavam as eleições de 2022, ele começou a questionar a integridade do processo eleitoral. Denunciou repetidamente as autoridades eleitorais, atacou —e tentou eliminar— o sistema de votação eletrônica do Brasil. Afirmava que a única forma de ser derrotado seria por meio de fraude, insinuando que uma vitória da oposição seria ilegítima.
Após perder por uma margem estreita para Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro, como era previsível, recusou-se a admitir a derrota e, em 8 de janeiro de 2023, milhares de seus apoiadores invadiram o Congresso, o STF e o Palácio do Planalto. Embora a insurreição tenha sido paralela aos eventos de 6 de janeiro, o ataque de Bolsonaro à democracia foi além do de Trump. Aproveitando-se da história de envolvimento militar na política brasileira, Bolsonaro, um ex-capitão do Exército, cultivou uma aliança com setores militares. Sem uma base partidária ou legislativa forte, ele se apoiou nos militares para obter apoio.
Várias evidências descobertas pela Polícia Federal indicaram que Bolsonaro e alguns de seus aliados militares conspiraram para anular a eleição e impedir a posse de Lula. A conspiração parece ter incluído planos para assassinar Lula, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes. Felizmente, o comando do Exército, sob pressão do governo Joe Biden, recusou-se a apoiar a tentativa de golpe.
Tanto nos EUA quanto no Brasil, presidentes eleitos atacaram instituições democráticas, buscando se manter no poder após perderem a reeleição. Ambas as investidas fracassaram —ao menos inicialmente.
É nesse ponto que as duas trajetórias divergem. Os americanos fizeram surpreendentemente pouco para proteger sua democracia do líder que a havia atacado. Os aclamados mecanismos constitucionais do país não conseguiram responsabilizar Trump por sua tentativa de anular a eleição de 2020. Embora a Câmara dos Representantes tenha votado pelo impeachment de Trump em janeiro de 2021, o Senado, que poderia tê-lo condenado e o impedido de concorrer à Presidência novamente, votou por absolvê-lo.
O Departamento de Justiça foi lento em processar Trump por seu papel na incitação da insurreição de 6 de janeiro, esperando quase dois anos para nomear um procurador especial. Trump foi indiciado em agosto de 2023, mas a Suprema Corte, agindo sem senso de urgência, permitiu que o caso fosse adiado. Em julho de 2024, o tribunal decidiu que os presidentes gozam de ampla imunidade, inviabilizando o processo contra Trump. O partido Republicano nomeou Trump para concorrer à reeleição em 2024, apesar de seu comportamento abertamente autoritário. Quando ele venceu a eleição, os processos contra ele foram arquivados.
Essas falhas institucionais provaram ser custosas. O segundo governo Trump tem sido abertamente autoritário, instrumentalizando agências governamentais e as utilizando para punir críticos, ameaçar rivais e intimidar o setor privado, a imprensa, os escritórios de advocacia, as universidades e os grupos da sociedade civil. Ele tem rotineiramente contornado a lei e, por vezes, desafiado a Constituição. Com menos de nove meses após o início do segundo mandato, os Estados Unidos provavelmente já cruzaram a linha para o autoritarismo competitivo.
O Brasil seguiu um caminho diferente. Tendo vivido sob uma ditadura militar, autoridades brasileiras perceberam desde o início do governo Bolsonaro a ameaça que ele representava à democracia. Muitos juízes e líderes do Congresso entenderam que era necessário defender as instituições democráticas do país. Como disse o ministro Moraes a um de nós: “Percebemos que poderíamos ser Churchill ou Chamberlain. Eu não queria ser Chamberlain.”
Vendo-se como baluarte contra o autoritarismo de Bolsonaro, os ministros do Supremo reagiram com firmeza. Quando surgiram evidências de que a campanha de Bolsonaro usou desinformação durante as eleições de 2018, o tribunal iniciou o que ficou conhecido como inquérito das fake news, no qual buscou reprimir o que os ministros consideravam desinformação perigosa.
Moraes, que se tornou presidente do Tribunal Superior Eleitoral em 2022, liderou o inquérito. Sob sua condução, o tribunal suspendeu as contas em redes sociais de ativistas acusados de atividades antidemocráticas, ordenou a remoção de conteúdos considerados ameaçadores à democracia, realizou buscas nas casas de empresários bolsonaristas suspeitos de golpe e até prendeu um deputado aliado de Bolsonaro que havia defendido a ditadura e a dissolução do Supremo (ele foi solto após nove meses).
Essas medidas foram controversas no Brasil e certamente destoam, em parte, da tradição libertária americana, mas são compatíveis com a forma como a Alemanha e outras democracias europeias regulam discursos antidemocráticos.
No dia da eleição, o TSE tomou várias medidas para garantir a integridade do pleito, incluindo a ordem para desmantelar barreiras ilegais montadas pela polícia pró-Bolsonaro e o anúncio imediato dos resultados assim que a apuração fosse concluída, de modo a não dar tempo para que Bolsonaro os contestasse. De forma decisiva, e em contraste com o que ocorreu nos Estados Unidos, importantes políticos aliados de Bolsonaro, incluindo as principais lideranças do Legislativo e governadores de direita, reconheceram prontamente a vitória de Lula.
Após os eventos de 8 de janeiro de 2023 deixarem claro que Bolsonaro representava uma ameaça à democracia, os tribunais brasileiros agiram de forma firme para responsabilizá-lo —e impedir seu retorno ao poder. Em junho de 2023, o TSE declarou Bolsonaro inelegível por oito anos, impedindo sua candidatura à Presidência em 2026. Em fevereiro de 2025, Bolsonaro foi indiciado por conspiração golpista, dando início ao processo que resultou na condenação desta quinta-feira.
Embora os bolsonaristas tenham ido às ruas protestar contra o julgamento, a maioria dos políticos conservadores do Brasil aceitou amplamente esse processo. Muitos criticaram o que consideram um excesso de atuação do Judiciário e alguns apoiaram propostas para destituir ministros do Supremo ou conceder anistia a Bolsonaro e aos presos pelos atos de 8 de Janeiro, mas o Congresso, de maioria conservadora, não levou adiante essas iniciativas.
Na verdade, a maioria dos políticos de direita parece satisfeita em ver Bolsonaro afastado da disputa em 2026. Isso permitiria que eles se reunissem em torno de um candidato mais convencional (provavelmente um governador de direita) que, por mais conservador que seja, provavelmente respeitaria as regras do jogo democrático.
Ao contrário dos Estados Unidos, portanto, as instituições brasileiras agiram de forma enérgica e, até agora, eficaz para responsabilizar um ex-presidente por tentar anular uma eleição. É justamente essa eficácia que colocou o país na mira do governo Trump. Sem alternativas no Brasil, Bolsonaro recorreu a Trump. Seu filho Eduardo Bolsonaro pressionou a Casa Branca por meses, buscando intervenção dos EUA em nome de seu pai. Trump, que afirmou que o caso de Bolsonaro seria “muito parecido com o que tentaram fazer comigo”, acabou convencido.
Ao tentar intimidar as autoridades brasileiras para que Bolsonaro escape da Justiça, o governo Trump está abandonando quase quatro décadas de política dos EUA em relação à América Latina. Após o fim da Guerra Fria, os governos americanos foram bastante consistentes na defesa da democracia na região.
Os esforços do governo Biden para impedir a tentativa de golpe de Bolsonaro foram uma clara manifestação dessa política. Agora, em um movimento que evoca algumas das intervenções mais antidemocráticas dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, o país está tentando subverter uma das democracias mais importantes da América Latina.
Com todas as suas falhas, a democracia brasileira está hoje em melhor estado do que a americana. Cientes do passado autoritário do país, as autoridades judiciais e políticas do Brasil não trataram a democracia como algo garantido. Seus equivalentes americanos, por outro lado, falharam em sua missão. Em vez de tentar minar o esforço do Brasil para defender sua democracia, os americanos deveriam aprender com ele.
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