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Opinião – Demétrio Magnoli: Suprema polarização

Mais uma volta do parafuso. A polarização política brasileira engolfa o STF, cindindo-o por dentro e realimentando a tensão institucional. Com seu voto, Luiz Fux deslocou-se para um extremo: o contraponto bolsonarista ao ativismo desenfreado de Alexandre de Moraes. Como regra, divergência entre juízes é fenômeno saudável, típico da democracia. No caso, porém, os polos judiciais em conflito não expressam interpretações distintas da lei, mas programas políticos contraditórios.

O Inquérito 4.781, das fake news, instaurado de ofício em março de 2019 e relatado por Moraes, que ruma para seu sétimo aniversário, tornou-se a plataforma do ativismo judicial. À sua sombra, o relator determinou a censura de um artigo da revista Crusoé, normalizou a censura prévia sob segredo de justiça a perfis de redes sociais e acumulou compulsoriamente a relatoria de incontáveis casos com tênue relação ao objeto inicial. A maioria do STF ofereceu-lhe guarida, em nome da excepcionalidade do combate ao golpismo.

A justificativa oficiosa, admitida pela maioria dos analistas, tem pernas curtas. Fatos a desmentem: apesar da derrota da camarilha golpista, remetida ao banco dos réus, o “inquérito do fim do mundo” (apud Marco Aurélio Mello) prosseguiu. Teses a impugnam: Luís Roberto Barroso atribui ao STF uma “missão civilizatória iluminista”, ambição que rompe as fronteiras definidas pela Constituição aos ministros da corte suprema. De fato, Bolsonaro e seus extremistas abriram caminho à politização do STF – e os juízes de capa preta gostaram de operar como Poder Moderador de facto.

O ativismo respinga sobre o processo dos golpistas. Para acelerar o veredicto, sob o pretexto de uma flácida regra regimental, cassou-se o direito de voto de seis ministros. Moraes, vítima potencial pessoal dos atos executórios do golpe, rejeitou declarar-se impedido. Moraes e Dino pronunciam discursos de palanque sobre o projeto de anistia, ausente dos autos, endereçando mensagens ao Congresso. Involuntariamente, conduzidos pela lógica que abraçaram, os juízes plantam as sementes da futura anulação do processo. O STF parece nada ter aprendido com a Lava Jato.

O voto de Fux não representa uma contestação do ativismo judicial, mas um contra-ativismo tão oportunista quanto desavergonhado. O Fux “punitivista” do mensalão, o parça das delinquências de Sergio Moro, deu lugar a um Fux “garantista” que, ignorando robustas provas documentais, exige decretos golpistas em papel timbrado. O aliado de Moraes na aplicação de penas exorbitantes aos idiotas úteis do 8 de Janeiro esqueceu seus votos de ontem. O Torquemada que condenou à prisão pobres coitados envolvidos em furtos insignificantes transfigurou-se no chefe do escritório de defesa dos “homens bons” empenhados na destruição da ordem democrática.

Segundo as lendas urbanas, o voto minoritário de Fux destina-se a preservar seu visto americano ou a preparar uma candidatura ao governo do Rio de Janeiro. Verdade ou não, o ministro que garantiu privilégios ilegais à corporação dos juízes e proibiu Lula de conceder entrevistas na prisão consagra-se a ofertar material valioso às conspirações de Eduardo Bolsonaro na sua pátria de coração. O tribunal não enfrenta uma divergência, mas uma depredação.

O STF “iluminista” pariu seu monstro. Você está surpreso?


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