
Em outubro do ano passado, publicamos uma coluna cobrando comprometimento do governo Lula com a transparência das agendas públicas, um dos pilares do monitoramento do lobby, que até hoje não foi regulamentado no Brasil. Hoje escrevemos para confirmar que isso, de fato, aconteceu. Como cobradores assíduos do poder público, acreditamos que também é importante registrar quando algo avança. Primeiro, para incentivar os servidores que lideram esse tipo de iniciativa, que enfrenta tantas barreiras políticas. Segundo, para combater a apatia social alimentada por um noticiário exclusivamente negativo. Quando a população acredita que nada funciona nem evolui, deixa de se envolver, de cobrar e de participar.
Saber com quem o governo se relaciona é essencial para entender para onde vão as prioridades da gestão, quem consegue influenciar decisões e quem fica de fora. Por isso, a Lei de Conflitos de Interesse, hoje aplicável apenas ao Executivo federal, exige que autoridades divulguem agendas de compromissos públicos. Durante anos isso foi feito de forma dispersa e inconsistente. Era a típica transparência para inglês ver.
Após anos de pressão de jornalistas, pesquisadores e organizações da sociedade civil, o cenário começou a mudar com o lançamento do eAgendas, sistema oficial que já permitiu, por exemplo, descobrir escândalos de corrupção e revelar a relação problemática das bets com o governo.
Mas o grande salto aconteceu em agosto deste ano. Com base na experiência acumulada desde a implementação da ferramenta e em propostas do Conselho de Transparência Pública, Integridade e Combate à Corrupção, a CGU atualizou o sistema para a versão 2.0.
A Fiquem Sabendo monitora a qualidade das agendas públicas desde 2020, a partir da nossa própria plataforma, o Agenda Transparente. Com base em nossos dados, construímos um conjunto de indicadores que evidencia um avanço significativo do governo.
Se antes apenas 6% dos compromissos continham o CPF dos participantes, agora 91% trazem essa informação. Em um país com milhões de homônimos, é isso que permite identificar com precisão quem circula nos corredores do poder e cruzar essas informações com outras bases. É o que separa a transparência real da decorativa.
Outro ponto crucial diz respeito à pauta das reuniões. No ano passado, apenas 11% dos compromissos traziam o assunto discutido. Agora, mais da metade informa a pauta, permitindo compreender o conteúdo das interações e não apenas quem esteve presente.
O ponto que permanece estagnado é a demora na publicação. Um quarto dos compromissos segue sendo divulgado após o limite legal de oito dias, prazo que, convenhamos, já é insuficiente para a participação social efetiva. O ideal seria publicar antes das reuniões, mas menos de 15% chegam ao sistema com pelo menos um dia de antecedência.
Um aperfeiçoamento que pode passar despercebido, mas merece nota, é a criação de manuais do sistema para cidadãos e servidores. Quem lida com dados governamentais sabe o impacto da falta de dicionários de dados, de explicações metodológicas e do treinamento dos responsáveis do outro lado do balcão. Parece detalhe, mas é exatamente esse tipo de infraestrutura que permite participação social efetiva.
A evidente melhoria nos indicadores demonstra a importância da cooperação entre sociedade civil e governo para o aprimoramento das políticas públicas. Antes uma formalidade quase sempre ignorada, a política de transparência de agendas coordenada pela CGU passa a ser um instrumento real de controle social. Ainda há muito a melhorar, e seguiremos formalizando novas propostas, mas precisamos reconhecer e parabenizar publicamente os avanços quando eles acontecem.
Agora, precisamos cobrar do Legislativo e do Judiciário o mesmo nível de transparência.
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