
(FOLHAPRESS) – Homens negros têm 211% mais chance de serem mortos por arma de fogo no Brasil do que homens não negros, segundo pesquisa do Instituto Sou da Paz. O estudo, lançado nesta quinta-feira (20), Dia da Consciência Negra, analisa mais de uma década de dados oficiais sobre homicídios e violência armada e revela um padrão persistente: 80% das vítimas são negras, em sua maioria jovens de 20 a 29 anos, mortos sobretudo em vias públicas.
A pesquisa usa dados do Ministério da Saúde: os registros de óbitos do SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade), de 2012 a 2023, e as notificações de agressões do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), de 2012 a 2024.
A disparidade racial aparece em todas as regiões, mas é mais acentuada no Nordeste e no Norte. Em 2023, o Nordeste concentrou quase metade dos homicídios masculinos por arma de fogo, com a maior taxa do país: 55,8 mortes por 100 mil homens, sendo 90% das vítimas negras. Logo depois vem o Norte, com 45,7 por 100 mil, em um cenário marcado por disputas entre facções, conflitos fundiários e garimpo ilegal.
No outro extremo, o Sudeste possui a menor taxa (15,3), embora concentre 20% dos casos. O Sul é a única região em que a maioria das vítimas é não negra -reflexo do perfil demográfico local.
Nos números absolutos, a Bahia registrou 5.209 homicídios por arma de fogo em 2023, seguida de Pernambuco (2.810) e do Rio de Janeiro (2.596). Quando se observa a taxa por 100 mil homens, o Amapá lidera (111,5), seguido da Bahia (73,2) e de Pernambuco (62,0).
Nas capitais, os piores índices aparecem em Macapá, Salvador, Recife e Maceió. Em todas as capitais brasileiras, sem exceção, homens negros morrem mais do que homens não negros.
O Rio, terceiro estado com mais homicídios por arma de fogo, viveu em outubro a operação policial considerada a mais letal da história do país. A ação nos complexos do Alemão e da Penha deixou 121 mortos, segundo dados oficiais.
Entre os 115 perfis de civis analisados pela Polícia Civil -número que exclui os quatro agentes mortos- todos eram homens; 38% nasceram no estado do Rio; um terço não tinha o nome do pai registrado; e 36 constavam apenas com filiação materna. A média e a mediana de idade são de 28 anos, padrão compatível com o recorte nacional de maior vitimização. O mais jovem tinha 14 anos.
Embora a corporação não informe a cor ou raça das vítimas, pesquisadores e entidades afirmam que o perfil da operação se aproxima do padrão nacional de mortalidade armada, marcado pela concentração de jovens negros em territórios periféricos.
No dia da ação, mais de 30 organizações de direitos humanos -entre elas Anistia Internacional, Justiça Global, CESeC, Redes da Maré, Observatório de Favelas e Conectas- divulgaram uma nota conjunta classificando a operação como “a maior matança produzida pelo Estado brasileiro”. Para as entidades, a intervenção “reitera o padrão de letalidade dirigido contra populações negras e empobrecidas” e evidencia uma política que “substitui a legalidade por ações militares de grande escala”.
A coalizão também afirmou que a lógica da “guerra às drogas” aplicada no Rio funciona de forma seletiva e racializada, “definindo quem vive e quem morre nas favelas e periferias”, em desacordo com parâmetros internacionais de uso da força e com princípios constitucionais de preservação da vida.
O estudo mostra que 49% dos homicídios masculinos ocorrem em vias públicas, como ruas, becos e estradas. Residências representam apenas 11,6% dos casos. Entre idosos, a proporção de mortes dentro de casa cresce, mas entre jovens prevalece a violência aberta e urbana.
A desigualdade racial também aparece na violência armada não letal. Entre 2012 e 2024, o Sinan registrou 58.549 notificações de agressões cometidas com armas de fogo contra homens. Depois de cair até 2021, o número voltou a subir e chegou a 5.605 registros em 2024, aumento de 59% em três anos. A maioria das vítimas é negra; em 2024, 50% eram negras e 44% não negras.
Para o Instituto Sou da Paz, os indicadores reforçam que a política de segurança pública no Brasil segue falhando em enfrentar a combinação entre raça, gênero e território. “Os dados apresentam uma realidade conhecida, mas é preciso reconhecê-la no cerne das políticas públicas voltadas à redução das desigualdades”, afirma a diretora-executiva Carolina Ricardo.
Ela também defende o controle da circulação de armas como medida central: “É preciso investir na prevenção dos fatores da violência armada, controlando a disponibilidade de armas de fogo tanto no mercado legal quanto no enfrentamento ao tráfico ilegal. É ponto de partida fundamental para que políticas de segurança democráticas sejam bem-sucedidas.”
Fonte: Notícias ao Minuto




