
Padre Anderson, PUC-Rio: “a Universidade é um laboratório vivo. É um laboratório de convivência, é um laboratório de democracia. É um laboratório de valores e, eu diria mais, é um laboratório de se redescobrir a espiritualidade”.
Silvonei José – Belém
Na manhã desta quarta-feira (19/11) Reitores de Universidades da América Latina refletiram sobre Redes Climáticas, no Pavilhão de Ensino Superior para a Ação Climática, na Zona Azul da COP30. Algumas delas fazem parte da Rede de Universidades para o Cuidado da Nossa Casa Comum (RUC). Entre os palestrantes o padre Anderson Antonio Pedroso, SJ, reitor da PUCRio e presidente da Organização das Universidades Católicas da América Latina e do Caribe (ODUCAL).
A Rádio Vaticano – Vatican News conversou com ele:
Padre Anderson, nós tivemos nesta manhã de quarta-feira (19/11) um painel muito interessante, Redes climáticas universitárias latino-americanas na COP30, e do qual o senhor participou. Como é que o senhor sintetizaria esse encontro?
Nós tivemos aqui uma experiência extraordinária, porque estavam várias redes, das quais, pelo em menos duas, a Igreja Católica está muito envolvida. A primeira rede que a Igreja está envolvida é a ODUCAL, que é a organização das universidades católicas na América Latina e Caribe. Então é uma rede de universidades católicas. Uma segunda rede é a RUC. Redes de Universidades para o Cuidado da Casa Comum, essa já é diferente, porque está unindo católicas e de outras religiões inclusive, e públicas, universidades públicas.
É um modelo novo que corresponde ao que o Papa Francisco insistiu muito, falar com todos, todos, todos e todas. Junto conosco estavam também outras redes, por exemplo, a Rede das universidades estaduais e municipais do país, do Brasil, que são universidades públicas e também uma Rede latino-americana de universidades privadas do México, enfim. Eu sintetizaria da seguinte maneira: as redes são importantes e nós estamos todos convencidos em trabalhar em redes, mas as redes têm que trabalhar entre si também. Existem interfaces, lugares em que a gente pode trabalhar juntos e avançar mais rápido, inclusive.
Então o desafio das redes é não se fechar em si mesmas, mas se abrir para outras redes. E eu acho que isso, é um pensamento, eu diria, muito católico, que a gente respeita a autonomia, vive de autonomia, mas uma autonomia orquestrada, uma autonomia que dialoga entre si e que encontra espaços de construção comum. Acho que esse foi o primeiro ponto, redes trabalhando com redes, que é importante. Agora, o segundo ponto, é que se falou muito de coisas concretas. Investir muito nas pesquisas. Tudo que nós tivemos de problema a respeito da questão climática foi falta de conhecimento. E nós precisamos investir nas pesquisas, e as universidades católicas fazem pesquisa, fazem muita pesquisa. E nós temos que colocar essa pesquisa a serviço. Então eu acho que se falou de algo muito concreto, que é investir mais na pesquisa.
E terceiro e último ponto, investir nas pessoas. Eu acho que aí eu principalmente me senti muito à vontade, porque esse é o nosso horizonte. Investir no ser humano, formar formadores, formar novos líderes com generosidade, com coração aberto, com espírito de serviço, o que inclusive o Papa Leão tem nos falado muito. Quando ele fala da paz, ele conecta a paz com pessoas que tenham capacidade, generosidade de diálogo, mas também de entrega. Então formar líderes generosos. Generosos, comprometidos e pessoas que queiram trabalhar pela paz, que está baseada na sobrevivência do planeta na questão climática.
O senhor repetiu mais de uma vez na sua fala, universidades, laboratórios vivos de experiência. Como traduzir isso, então, dentro da nossa realidade.
Olha, eu acho que nós temos que entender que a universidade tem que perder aquele caráter elitista. A universidade é para todos, inclusive agora, é para todas as idades. A gente nem diz mais universidade para os jovens, é para todas as idades. Estão nascendo programas, por exemplo, 50 a mais, para quem tem mais de 50 anos, porque mudou a visão da universidade. A universidade é um lugar de formação permanente. Você faz uma primeira graduação, você se especializa, você faz um outro estudo. Então, eu acho que as universidades estão caminhando para ser espaços permanentes de compartilhamento de saberes. Espaços permanentes de formação da pessoa durante toda a vida. Então, nesse sentido, é que é um laboratório vivo. É um laboratório de convivência, é um laboratório de democracia. É um laboratório de valores e, eu diria mais, é um laboratório de se redescobrir a espiritualidade.
A educação é uma educação não só da cabeça, mas também do coração, da alma e das mãos. Então, é um laboratório vivo, um lugar em que a gente aprende a conviver com todos, com todas as ideias, mas também a gente descobre que nós temos um fundamento comum.
E é nesse sentido que eu gosto muito de insistir que a universidade não é um lugar para ter diploma. A universidade é um lugar para conviver, para viver, se formar, se descobrir como ser humano e, sobretudo, descobrir a missão de cada um. Eu diria que a universidade até é uma palavra que é muito nossa, do mundo católico, é um lugar de descobrir a própria vocação. Quem sou eu, para que eu sirvo e como eu quero servir o mundo? Qual é a minha missão? Quem sou eu e quem é a minha missão? Então, nesse sentido, a universidade é esse espaço privilegiado e que a gente precisa cuidar muito, sobretudo as nossas católicas, para que sejam excelentes. É esse lugar de descoberta da vocação de todos.
Cada vez mais se intensifica esse trabalhar em Redes na América Latina, e o senhor é justamente uma cabeça pensante para essas redes.
Eu acho que as Redes nos fizeram descobrir algo muito importante, que todos são muito importantes, todos. Todos têm uma função. Eu percebo, por exemplo nesta Rede da América Latina e Caribe, que nós temos uma universidade pequena, no interior da Colômbia, conduzida com muita dificuldade por uma congregação de irmãs, que são heroínas, eu diria assim, porque aquela pequena universidade no interior da Colômbia, ela tem um valor imenso, é o único lugar, o único espaço em que as pessoas têm, os jovens, as pessoas para se formar. Então, a gente aprende com a Rede, nós aprendemos que, de fato, todos são importantes. As grandes universidades que estão nas metrópoles são fundamentais também.
E quando uma pequena universidade do interior da Colômbia é conectada com uma grande universidade numa metrópole, seja em Santiago, São Paulo, Rio, enfim, ela se sente reconhecida, ela se sente potencializada, enxergada e ela se coloca no mesmo nível. Então a gente aprende na Rede que a Rede não é vertical, a Rede é uma horizontalidade maravilhosa que nos coloca todos juntos. A Rede nos ensina a conviver, a valorizar e, sobretudo, a nos organizar.
E nesse sentido, eu gosto muito dessa expressão de organizar a esperança. Jubileu da esperança tem que organizar a esperança. A gente organiza a esperança, primeiro, colocando os atores e as pessoas para pensar juntos, para se conhecer, para conversar e também estabelecendo, eu diria assim, metas. Não há o problema de estabelecer metas para a esperança. A esperança é uma virtude e toda virtude é uma força. E toda força precisa ser realmente colocada a serviço e organizada.
Então, a gente tem que organizar a esperança para que a esperança organizada dá frutos. E eu aprendi uma coisa que eu acho muito bonita de Santo Agostinho, que a esperança tem duas filhas. A primeira é a indignação, porque a esperança nasce inclusive de lugares e situações que não estão bem, que a gente precisa mudar. Então há uma certa indignação. E Santo Agostinho disse que a segunda filha da esperança é a valentia, é a coragem. Então a esperança, organizar a esperança com indignação, dizendo, olha, não está bom.
E segundo, com coragem, dizendo, vamos juntos, vamos avançar, não vamos ter medo. Então é isso que eu espero, que a esperança nos traga valentia, indignação positiva, claro, e uma valentia e uma coragem muito grande.
Uma última pergunta, qual é o futuro, os futuros das universidades.
Os futuros das universidades acho que estão ligados com o futuro da sociedade mesmo. A universidade é uma, eu diria, uma instituição que é secular e a gente poderia até dizer milenar, não é? E vista as raízes que a trazem, é uma instituição que tem vocação para a continuidade, mas ela está repousada sobre a sociedade, as sociedades. Então, na medida que as sociedades são saudáveis, a universidade pode ser saudável. E ao contrário também, a universidade tem que estar saudável, cuidada, protegida, para que as sociedades onde elas estão, onde elas repousam, recebam essa força.
Temos que cuidar muito das universidades e o futuro delas é estar conectado com os territórios, com as sociedades, numa relação de troca, circular. Então a universidade nunca pode se fechar. Assim como nós ouvimos muito e acreditamos numa igreja em saída, a universidade tem que ser uma universidade em saída, não autorreferencial, em saída, em contato, em diálogo com a sociedade e pensando nos problemas reais e nas pessoas reais. Então o futuro das universidades está ligado com o futuro das nossas sociedades e do planeta.
Nós estamos aqui na COP e eu acho que a mensagem é essa, estamos juntos cuidando do planeta, a Casa Comum, e a universidade tem uma função especial e ela depende também disso. Vou terminar com uma… anedota. Na minha universidade lá… eu comecei a falar da Amazônia, amazonizar e um professor, até um homem muito bom, generoso, me fez uma pergunta que me assustou. Ele falou: ‘mas o que nós temos a ver com a Amazônia?’ Eu disse, tem a ver tudo. Existem rios que flutuam, a evaporação da Amazônia vai chegar lá no Rio de Janeiro, vai provocar chuvas, então assim, eu acho que a gente precisa também ter maior consciência. O que nós temos a ver com a Amazônia? Tudo. Porque a Amazônia é a vida, é um dos biomas, mas é o símbolo de todos os demais, eu diria, nesse momento, então nós temos que estar muito conscientes, que tudo está integrado, como dizia o Papa Francisco, e que nós temos uma potência muito grande e que a paz vai depender também disso, como diz o Papa Leão. Então nós estamos aí num movimento de muita esperança. Vamos organizar a esperança.
Fonte: Vatican News