Carregando música...
Para ouvir nossa rádio, baixe o aplicativo RadiosNet para celulares e tablets com Android ou iPhone/iPads.

Crise climática se enfrenta com ciência, diz general chefe de sistema da amazônia sobre militares negacionistas

Em 2022, último ano da gestão de Jair Bolsonaro (PL), um grupo de militares publicou um documento chamado “Projeto de Nação – O Brasil em 2035”. Formulado pelos institutos Sagres, Federalista e General Villas Bôas (fundado pelo ex-comandante do Exército), apontava a legislação do país e a atuação de ambientalistas como entraves ao agronegócio e à mineração na amazônia.

Repleto de militares, o próprio governo Bolsonaro sabotou como pôde a preservação do bioma, tendo como ministro do Meio Ambiente um negacionista climático (Ricardo Salles), murchando o Fundo Amazônia e desacreditando os dados de desmatamento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

O general Richard Fernandez Nunes não integrou o governo do ex-capitão, mas foi figura central no Exército nesta década, ocupando cargos reservados apenas aos “quatro estrelas”, topo da carreira. Foi comandante militar do Nordeste, chefe do Departamento de Educação e Cultura e chefe do Estado-Maior do Exército, o número dois da corporação.

Em agosto, passou à reserva, e em setembro assumiu o cargo de diretor-geral do Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia).

Subordinado ao Ministério da Defesa, o Censipam é um órgão de geointeligência cujo objetivo autodeclarado é “promover a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável” na Amazônia Legal e na Amazônia Azul. Capta dados de satélites, radares e estações meteorológicas; faz levantamentos hidrológicos e abastece plataformas como o Painel do Fogo, que monitora incêndios em tempo real. Trabalha junto com o Inpe nas imagens do desmatamento da floresta.

Em entrevista à Folha, o general Richard, como é conhecido, se coloca na contramão do negacionismo de muitos dos seus pares, defendendo que o debate climático deve ser embasado em evidências científicas, e defende a integração de dados entre governo, ONGs e setor produtivo e parceria com a academia.

Quanto à influência dos militares da ditadura para o atual estado da amazônia —com programas que incentivaram o desmatamento e a ocupação fundiária—, ele afirma que “julgar com olhos de hoje o que se fez há décadas atrás é extremamente injusto”.

Qual é o diagnóstico que o senhor faz, à luz da COP30, sobre os alertas quanto à emergência climática, em particular o caso da amazônia?
Houve uma ampla conscientização da sociedade brasileira quanto à necessidade de desenvolver a região com a responsabilidade de preservar o ambiente, isso é notório. Os órgãos estão conscientes dessa responsabilidade, mas há muito o que fazer. Acho que o grande desafio é obter integração de dados.

Muitas vezes percebemos uma certa redundância em se produzir dados. Isso poderia ser simplificado e o esforço maior ser direcionado para a atuação no terreno em detrimento da obtenção de dados.

Mas sou otimista, acredito que a COP30 contribui ainda mais para essa conscientização. E o que tenho observado, no pouco tempo à frente do Censipam, é uma busca por integração cada vez maior.

Integração entre órgãos governamentais e não governamentais, pesquisadores…
Todo mundo. Inclusive a própria área produtiva. O produtor rural, que tem uma série de legislações a cumprir, pode contar com um instrumento como o nosso, que de maneira científica pode prestar uma informação que não é contestada.

É muito interessante sair do achismo e ter ferramentas confiáveis e precisas dizendo qual é o grau de respeito à legislação ambiental que está ocorrendo em determinada área, ou de desrespeito. O que a gente proporciona de informação é válido para pesquisadores, para órgãos de fiscalização, para agências de caráter diverso, mas é válido para a sociedade em geral, principalmente para aqueles que têm que produzir riqueza no nosso país.

Existe uma dicotomia muito presente na amazônia entre preservação e desenvolvimento. São aspectos inconciliáveis?
São perfeitamente conciliáveis. Na própria missão do Censipam isso fica claro, tanto o apoio ao desenvolvimento —porque as populações amazônicas precisam realmente ter melhor qualidade de vida, ser beneficiárias de desenvolvimento—, quanto na preservação ambiental. Saber conjugar isso com inteligência é um dos propósitos da própria COP30.

A questão tecnológica é decisiva. Temos que apresentar soluções, ter uma integração grande com o meio acadêmico, isso está acontecendo. Estamos viabilizando nas instalações do Censipam em Manaus a implantação de um braço do Instituto Militar de Engenharia exatamente para fazer pesquisa e desenvolvimento. Vamos oferecer mestrado e doutorado com o selo do IME lá em Manaus, estudando temas da amazônia. Há uma carência muito grande daquela área.

Qual é a opinião do ssenhor, por exemplo, sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas?
Não tenho opinião formada, não sou um estudioso do tema. Uma vez decidida a exploração, entram as ferramentas do Censipam, como o Sipam Mar, que começou a ser desenvolvido quando houve a questão das manchas de óleo lá no Nordeste [em 2019]. Temos condições plenas de fazer esse tipo de monitoramento para que não haja nenhum tipo de mau uso do ambiente, crime ambiental, ou que qualquer desastre ambiental ocorra sem controle.

Sob o lema “integrar para não entregar”, e com programas como o Plano de Integração Nacional e a própria rodovia Transamazônica, os militares brasileiros, sobretudo do Exército, contribuíram para a ocupação desordenada e o desmatamento da amazônia. Em perspectiva, o senhor faz, ou o Exército faz, algum mea culpa sobre aquele processo?
Tudo é um momento, e o nível de conscientização que você tem hoje não é o que se tinha naquela época. Então julgar com olhos de hoje o que se fez há décadas atrás é extremamente injusto. O que eu vejo hoje, não posso mais falar pelo Exército, mas passei boa parte da minha vida lá, é uma adesão muito grande da instituição à legislação, a todos os cuidados com o ambiente, tanto que hoje as áreas do Exército —das Forças Armadas, posso dizer— são exemplos de preservação ambiental.

Em Manaus, a área que é responsabilidade do Centro de Instrução de Guerra na Selva é perfeitamente preservada, inclusive é utilizada por estudiosos de vários lugares do mundo como exemplo de bons cuidados. O zoológico mais completo sobre a fauna amazônica hoje está sob cuidados do Exército lá nesse centro.

O nível de conscientização ecológica da humanidade foi crescendo nas últimas décadas. Na metade do século 20, esses temas sequer eram objeto de um cuidado maior, e a sociedade estava totalmente afastada desse tipo de linguagem.

Mas inclusive hoje, mais recentemente, militares também são associados ao negacionismo, inclusive ex-comandantes do Exército, em parte refutando a emergência climática, ou relativizando, criticando ambientalistas. Como o senhor se posiciona nesse debate?
Eu me posiciono hoje, principalmente diante do órgão que dirijo, com absoluto rigor científico. Determinados temas têm que ser tratados com base em dados concretos e não em suposições. Como é um tema que se presta a polêmicas, a construção de narrativas, o que a gente busca aqui é se afastar de tudo isso e realmente, quando apresenta resultados, soluções, produtos, [são] totalmente embasados em evidências científicas. Então não vejo hoje, de parte do Censipam, nenhuma dificuldade em me comportar diante dessa discussão.

Com o aumento das tensões na região, com os EUA atacando barcos venezuelanos no Mar do Caribe e no Pacífico, fazendo ameaças à Colômbia, como o Censipam tem atuado na faixa de fronteira? Qual é o papel no fornecimento de informações às Forças Armadas, por exemplo?
Somos subordinados ao Ministério da Defesa e temos uma integração muito grande com o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Então tudo que nos é demandado, seja em operações de defesa da soberania, seja em exercícios, em qualquer situação, nós temos assento e disponibilizamos nossos serviços de inteligência para o melhor processo de tomada de decisão. Isso é permanente.

As Forças Armadas contam com nossos produtos e serviços e, inclusive, quando se estabelece um centro de operações, mandamos nossos servidores mobiliarem seus postos lá também e prestamos as informações em tempo real. Então, o Censipam é um órgão de geointeligência à disposição das Forças Armadas para a preservação da soberania do nosso território.

Mas o senhor teme uma ampliação desses ataques e vê o risco de um conflito na região?
Quando, alguns anos atrás, iniciamos a Operação Acolhida, para receber venezuelanos em nosso território, já houve um adensamento da nossa capacidade militar ali, de inteligência, de observação. E as atenções têm sido voltadas para lá não só por uma questão de defesa da soberania, mas também do próprio controle de fronteira, proteção de populações indígenas.

Então tudo aquilo que tem sido feito na fronteira norte é prioridade nossa. Temos condições plenas de monitoramento de qualquer tipo de modificação do ambiente. Até o momento, as condições naquela área estão sendo as de sempre. Não houve grandes alterações.


RAIO-X

RICHARD NUNES, 62

General de Exército (quatro estrelas) da reserva, é diretor-geral do Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia). Na ativa, foi comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, comandante militar do Nordeste, chefe do Departamento de Educação e Cultura e chefe do Estado-Maior do Exército. Em 2018, nomeado pelo interventor Braga Netto, foi secretário de Segurança Pública do RJ durante a intervenção federal


Veja mais em Folha de S. Paulo

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo