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Opinião – Marcus Melo: Para entender o shutdown do governo nos EUA

Não há registro na literatura comparada de algo como o shutdown do governo americano causado pelo impasse Legislativo-Executivo. O atual durou 43 dias e foi o mais longo da história. As implicações são severas: paralisia de serviços e dispensa temporária de funcionários.

Nos últimos 30 anos já ocorreram seis shutdowns. Trata-se, portanto, de evento raro, mas que tem se intensificado. O ponto de discórdia foram os cortes de programas de alimentação e saúde para 2026, e os protagonistas os senadores democratas. Curiosamente, o país está dividido e não há vencedores claros no episódio: 47% atribuem o shutdown aos republicanos, enquanto 50% responsabilizam os democratas.

Nos últimos cinquenta anos, o Congresso só aprovou “o orçamento” segundo o calendário previsto em quatro ocasiões. Outra especificidade americana é que não há exatamente uma lei orçamentária, mas doze, aprovadas nas doze subcomissões orçamentárias setoriais (appropriations), do Senado e da Câmara. Na maioria das vezes, só parte das doze são aprovadas. Só nas últimas décadas é que têm sido integradas em uma lei ônibus ampla. O prazo oficial para votá-las é 1º de outubro, mas nos últimos 15 anos, o prazo só foi cumprido duas vezes!

Ao contrário do Brasil e de alguns outros países, a não aprovação do orçamento não leva à execução automática da despesa do orçamento do ano anterior. Para que isso aconteça, o Congresso terá que aprovar continuing resolutions (CRs).

Do ponto de vista comparativo, o shutdown é uma anomalia. Mas, na realidade, o fato de que o Poder Legislativo pode suspender o gasto de forma tão contundente sinaliza sua força, embora esteja diminuindo. Conflitos nas relações Executivo-Legislativo não são incomuns (salvo sob o parlamentarismo unipartidário, onde por definição não existem). Quando o Poder Executivo é minoritário em contexto parlamentarista multipartidário, a solução assume a forma de “supply and confidence agreements”, acordos pelos quais a oposição majoritária abstém-se de utilizar sua prerrogativa de aprovar uma moção de desconfiança e derrubar o governo. Essa tem sido a regra mais que a exceção nos países escandinavos, Irlanda etc.

Os escassos poderes orçamentários dos presidentes americanos, em um quadro em que o orçamento é globalmente impositivo e não autorizativo em sua maior parte, como no caso brasileiro, contrasta com a forma imperial como Trump tem exercido a presidência. O controle congressual sobre o orçamento assumiu o formato atual em 1974 após a crise constitucional no governo Nixon, que unilateralmente contingenciou despesas aprovadas pelo Legislativo. A partir daquele ano qualquer proposta de contingenciamento tem que ser aprovada pelo Congresso em 30 dias. Ao contrário do caso brasileiro, até as emendas impositivas (ECs 86/2015 e 100/2019) o presidente americano “não pode deixar de gastar”. A questão de fundo é por que o sistema não degenera em um padrão predatório.

O longo shutdown foi a estratégia dos senadores democratas para, em uma casa dominada pelos republicanos, expressarem sua oposição aguerrida a Trump, em um quadro em que tem sido criticados como inertes frente ao tsunami provocado pelo novo governo.

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