Carregando música...
Para ouvir nossa rádio, baixe o aplicativo RadiosNet para celulares e tablets com Android ou iPhone/iPads.

O último legado do Papa Francisco: a valorização da palavra poética e narrativa na experiência de fé – Vatican News


A editora Carpintaria publica “Viva a poesia!”, compilação de textos do papa Francisco sobre a relação entre literatura e espiritualidade, com organização e introdução de Antonio Spadaro

Por Felipe Sérgio Koller*

“No princípio, era a Palavra” (Jo 1,1). Na fé cristã, “Palavra” é um nome divino, que se refere ao Filho unigênito de Deus. Com isso, se sublinha a importância do diálogo que Deus deseja estabelecer conosco, da atitude de escuta de onde brota a fé e do caráter pessoal do chamado do Pai a cada um de nós. Ao mesmo tempo, essa Palavra é aquela que “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14): ela não recusa se expressar na palavra humana, nas culturas de todos os tempos e lugares, apesar de suas fragilidades.

Essas considerações já seriam o suficiente para se dar conta de que, para a espiritualidade cristã, a literatura não é um tema menor. Paulo, anunciando o Evangelho aos atenienses, dialoga com a poesia grega (At 17,22-34). No século IV, Basílio de Cesareia, um dos maiores Padres da Igreja, dizia que o contato com a literatura pagã trazia “proveito para a alma” dos cristãos (Discurso aos jovens IV, 8-9). Cem anos atrás, na Alemanha, as aulas de Romano Guardini marcaram época por desenvolver a reflexão teológica a partir da leitura de autores como Dante, Dostoiévski e Rilke. E agora, nos últimos anos, vimos a literatura ser alçada a um dos grandes temas do luminoso magistério do papa Francisco (2013-2025).

Aprendemos a reconhecer temas como a misericórdia, o discernimento e a sinodalidade como grandes contribuições do ensinamento do papa argentino — contribuições que recebemos como um legado precioso e que desejamos ver plenamente desenvolvidas na vida das nossas comunidades. Entre esses e outros temas, também a questão da palavra poética e narrativa atravessou o último pontificado, expressando-se na constante citação de literatos em seus documentos — basta ver Amoris laetitia (2016) ou Querida Amazônia (2020) — e culminando na Carta sobre o papel da literatura na formação, de 2024.

São preocupações que Jorge Mario Bergoglio — ele mesmo professor de literatura num colégio argentino nos anos 1960 — já evocava na Evangelii gaudium (2013), no início do seu ministério como bispo de Roma, quando dizia que “as enormes e rápidas mudanças culturais exigem que prestemos constante atenção ao tentar exprimir as verdades de sempre numa linguagem que permita reconhecer a sua permanente novidade” (EG 41), o que requer “a coragem de encontrar os novos sinais, os novos símbolos, uma nova carne para a transmissão da Palavra, as diversas formas de beleza que se manifestam em diferentes âmbitos culturais” (EG 167).

Para Francisco, “a missão eclesial soube desdobrar toda a sua beleza, frescor e novidade no encontro com as diversas culturas nas quais se enraizou — muitas vezes graças à literatura —, sem medo de arriscar e de extrair o melhor daquilo que encontrou. É uma atitude que a libertou da tentação de um solipsismo ensurdecedor e fundamentalista que consiste em acreditar que uma certa gramática histórico-cultural tem a capacidade de exprimir toda a riqueza e profundidade do Evangelho” (Carta sobre o papel da literatura na formação).

Na produção poética de um povo pulsa o que há de mais profundo e mais original em seu espírito. O contato com a literatura, e com a arte em geral, não só forma a nossa sensibilidade e o nosso discernimento, como se constitui como exercício de escuta das sementes da Palavra generosamente semeadas pelo Espírito na carne de um povo e de uma época. Que potência de expressão do mistério da vida humana — morada do mistério de Deus — encontramos, por exemplo, na poesia de Adélia Prado, na canção de Milton Nascimento, na prosa de Ana Maria Gonçalves, nos quadrinhos de Laerte Coutinho ou no teatro de Ariano Suassuna.

Nas obras literárias encontramos, dizia Francisco, “uma academia onde se treina o olhar para procurar e explorar a verdade das pessoas e das situações como mistério, carregadas de um excesso de sentido, que só parcialmente pode se manifestar em categorias, esquemas explicativos, dinâmicas lineares de causa e efeito, meio e fim” (Carta sobre o papel da literatura na formação). Parece-nos muito claro como o próprio papa Francisco, com toda a sua sensibilidade humana, espiritual, teológica e pastoral, foi um bom exemplo de um coração que se deixou formar pela escuta da palavra poética, aprendendo a respeitar a sacralidade de cada vida humana e de toda a criação.

Os seus textos sobre a relação entre espiritualidade e literatura foram compilados pelo padre Antonio Spadaro e publicados no início do ano como livro — o último de Francisco antes de morrer. Agora, esse volume, intitulado Viva a poesia!, ganha edição em português pela editora Carpintaria. São doze textos, mais um prefácio da escritora pernambucana Clarice Freire e uma ampla introdução de Spadaro sobre o repertório literário de Bergoglio e a influência de poetas e escritores em seu pensamento. É um convite para acolher com responsabilidade o legado do papa Francisco e se aproximar dos grandes clássicos e da literatura do nosso tempo.

“Viva a poesia!” pode ser adquirido, em versão física ou digital, pela Amazon, clicando aqui.

*Felipe Sérgio Koller, doutor em teologia (PUCPR), professor do Studium Theologicum, em Curitiba. Tradutor e editor da versão brasileira de “Viva a poesia!”, pela editora Carpintaria. @editoracarpintaria | @oficina.de.nazare

 

 

 

 


Fonte: Vatican News

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo