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Base política valerá muito mais que dinheiro, YouTube e TikTok, diz relator de reforma

O deputado federal Domingos Neto (PSD-CE), 37, afirma ter sinalização positiva de PT e PL, os dois maiores partidos da Câmara dos Deputados, para aprovar o projeto que altera o atual modelo eleitoral, o proporcional, para o sistema distrital misto.

Em entrevista à Folha, o parlamentar defende que a troca teria o poder de conter o ingresso de facções criminosas na política e exalta o provável efeito de fortalecimento dos partidos e de retirada de poder dos chamados puxadores de voto.

“Quem vai ter a vantagem é quem tem base política. Vai valer muito mais do que dinheiro, do que YouTube, do que TikTok. Vai valer muito mais corpo a corpo, a prestação de serviço, a prestação de contas, conhecer as pessoas, ser conhecido, andar pé no chão, e vai baratear a eleição.”

O distrital misto dividiria os estados em distritos, onde metade dos deputados seria eleita pelo voto majoritário local e a outra metade, por listas partidárias.

Hoje, deputados são eleitos pelo sistema proporcional: o eleitor vota em um candidato ou partido, e as vagas são distribuídas conforme o total de votos da legenda, vencendo os mais votados dentro dela —o que permite que puxadores de voto ajudem colegas com menos apoio.

O sr. já tem um relatório pronto ou ainda está em consultas às bancadas?

Estou falando ainda com todo mundo. Mas já tenho um texto pronto, aguardando o presidente [da Câmara] Hugo Motta colocar isso na pauta. Já falei com a maioria dos líderes e dos presidentes de partido. Agora é só a condução de timing para trazer isso para a pauta. Colocando em pauta, aí vamos ter discussões, eventuais sugestões de partidos, de liderança, de bancadas, e aí faremos as alterações no plenário.

O que o sr. mudou em relação ao projeto do ex-senador José Serra (PSDB-SP), aprovado pelo Senado em 2017?

Tem algumas mudanças. A mais substancial é alteração para um voto só [o eleitor vota no candidato do distrito, o que conta voto para o partido desse candidato na lista fechada].

E o desenho dos distritos, quem vai fazer?

A Justiça Eleitoral, aplicando as regras que a gente está estipulando em cima do IBGE.

Esse modelo diminui muito o poder dos puxadores de voto, do voto de opinião, do voto antissistema…

Valoriza [o voto] em todo canto. Onde se colocou o voto distrital, a motivação é o accountability [prestação de contas]. É você poder cobrar do seu parlamentar. Hoje quase 90% dos eleitores não lembram em quem votaram. Isso se altera. O eleitor vai precisar ter uma relação com o seu deputado federal, mais ou menos como tem com o prefeito, que é um dos representantes políticos com quem o eleitor mais se identifica.

Com esse desenho dos distritos, haverá vantagem ao partido que já tem deputado, que já tem mais capilaridade no país todo?

Quem vai ter a vantagem é quem tem base política. Vai valer muito mais do que dinheiro, do que YouTube, do que TikTok. Vai valer muito mais corpo a corpo, a prestação de serviço, a prestação de contas, conhecer as pessoas, ser conhecido, andar pé no chão. E vai baratear a eleição.

Há o objetivo de barrar influenciadores?

Pode até ser uma consequência, mas não é um objetivo. Até porque o projeto de lei nasceu muito antes de existir influencers. A questão de poder ter uma cobrança mais forte é mais importante, e os influencers poderão continuar sendo candidatos. Ninguém está barrando ou proibindo isso.

Na questão das facções, vocês estão falando que vai dificultar o ingresso. Mas tem gente falando que pode até facilitar. Ao desenhar um distrito, por que uma facção que domina aquela região não vai conseguir eleger representante?

Não vai haver distrito em bairro [nas eleições municipais, a proposta é de voto distrital misto nas cidades com mais de 200 mil habitantes]. Nosso projeto só vai tratar de distrito nas cidades maiores. Não tem como você chegar em município de 1.000 habitantes e dividir em distritos.

Mesmo assim, por que, em sua opinião, dificulta?

Claro que dificulta. Hoje eles se elegem por quê? Porque você consegue botar, em qualquer partido, milhares de candidatos em São Paulo. Como é que você vai conhecer quem são os milhares?

Então, o cara já entra infiltrado, sem ninguém conseguir mapear quem é. Essas facções não comandam grandes centros. Via de regra, elas comandam pequenos territórios espalhados em vários municípios.

Então, hoje o que ela faz? Ela pega e dá 500 votos para o cara em um município, 200 no outro, 300 no outro. Quando junta o total, deu 100 mil. Elegeu um deputado.

Fazem isso na surdina, fogem de holofotes. Uma eleição como essa num distrito no estado de São Paulo, por exemplo, que terá quase 1 milhão de habitantes [por distrito], o mais votado vai ser um deputado de 250 mil, 300 mil votos.E serão poucos candidatos, 10, 11, cada partido só pode lançar um. Então nós vamos ter debate para deputado federal. Como é que um faccionado vai participar de um debate?

Na cidade de São Paulo, por exemplo, acho que deve ter uns oito distritos.

E aí divide São Paulo territorialmente baseado em qual critério?

Seguindo a regra, macrorregião, mesorregião, isso está na lei [no projeto]. E um distrito e o outro podem ter no máximo 5% de diferença de população, porque às vezes não consegue fazer para ficar 100% igual, é impossível.

O projeto já existia antes da megaoperação policial no Rio. Por que voltou a ser cogitado agora, sendo que o Congresso já rejeitou nos últimos anos várias propostas de mudança do modelo eleitoral?

O Congresso rejeitou num momento onde havia 30 e tantos partidos representados. Antes da reforma de 2017, tínhamos um número de partidos gigantesco. Diminuiu o número de partidos, hoje tem só sete partidos com mais de 40 deputados. Depois desses os próximos são com menos de 20.

Passamos a ter uma nova condição de discutir esse tipo de tema. E a gente tem visto na eleição o fortalecimento da entrada do crime organizado na política. Já tivemos vários exemplos. Aqui no meu estado mesmo [Ceará] houve prefeitos cassados pela Justiça Eleitoral por envolvimento com facção criminosa.

Então, isso faz com que se acelerem questões como essas. Você conseguiria, em um mapeamento de 2.000 candidatos em São Paulo, quais têm ligação ou não com o crime? Não vai conseguir. Agora, se no seu distrito tiver 10 candidatos, a imprensa, o Ministério Público, os adversários políticos jogam holofote sobre a disputa. Fica mais fácil. Vai ter debate para deputado federal.

Pelas conversas que você já teve, PT e PL [os maiores partidos da Câmara] são a favor? O PT é historicamente a favor de lista fechada…

O PL também. Falei com várias partes do PL. Eu não tive ainda com o Valdemar [Costa Neto, presidente do PL], quem ele indicou na reunião foi o Altineu [Cortes, vice-presidente da Câmara]. Também falei com o Sóstenes [Cavalcante, líder da bancada do PL]. O Valdemar viajou e não participou, mas a mensagem do Valdemar na reunião foi favorável.

Raio-X

Domingos Neto é deputado federal no quarto mandato consecutivo. Tem 37 anos de idade e é bacharel em direito pela Universidade de Fortaleza. Na Câmara foi, entre outras funções, relator geral do Orçamento Federal de 2020.

COMO É HOJE E COMO FICARIA

ELEIÇÕES PROPORCIONAIS (ATUAL MODELO)

Cargos: deputados federais, estaduais/distritais e vereadores

O eleitor vota:

  • Em um candidato ou
  • Diretamente em um partido/federação

  1. Somam-se os votos de todos os candidatos e do partido
  2. Calcula-se o quociente eleitoral (votos válidos ÷ número de vagas)
  3. Cada partido/federação recebe um número de cadeiras proporcional à sua votação total
  4. São eleitos os mais votados dentro de cada partido até completar o número de vagas conquistadas

Exemplo:

  • Estado tem 10 cadeiras.
  • Partido A faz votos suficientes para 3 cadeiras
  • Os 3 candidatos mais votados do partido A ficam com as vagas

Efeitos:

  • Candidatos puxadores de voto” podem eleger colegas com votação baixa
  • Campanhas tendem a ser mais caras, feitas em todo o estado
  • O eleitor muitas vezes não sabe quem é o seu representante direto
  • O poder de decisão fica mais centrado no desempenho individual do candidato

DISTRITAL MISTO

Cada estado (ou município) seria dividido em distritos eleitorais, equivalentes à metade das cadeiras disponíveis

Exemplo: 70 deputados federais (São Paulo) → 35 distritos

  • O eleitor vota em candidato do seu distrito (voto nominal) e esse vota conta para o partido, que tem uma lista pré-ordenada de candidatos

Metade das cadeiras vai para:

  • Os candidatos mais votados em cada distrito (sistema majoritário)

A outra metade é distribuída:

  • Entre os partidos, conforme o total de votos partidários no estado
  • As vagas são preenchidas na ordem da lista apresentada por cada legenda

Exemplo:

  • Estado tem 10 cadeiras → 5 distritos + 5 vagas partidárias
  • 5 candidatos eleitos diretamente nos distritos
  • Os outros 5 vêm da lista do partido, conforme o total de votos partidários no estado.

PRÓS E CONTRAS DO DISTRITAL MISTO

Prós:

  • Aproxima eleitor e representante (cada distrito tem um deputado conhecido)
  • Reduz o custo das campanhas (área menor de atuação)
  • Fortalece os partidos e diminui o peso dos “puxadores de voto”
  • Pode reduzir a fragmentação partidária
  • Defensores dizem que modelo dificulta penetração do crime organizado por jogar holofote nas disputas

Contras:

  • Tira peso do voto de opinião e de candidatos que representam minorias
  • Risco de oligarquização local (distritos dominados por famílias ou grupos regionais)
  • Menor liberdade de escolha individual, já que parte das vagas vem de listas partidárias
  • Fortalecimento de feudos partidários e “vereadorização” de deputados estaduais e federais
  • Não trava a penetração do crime, que já tem eleito prefeitos suspeitos de ligação com facções


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