
A organização Nova Frente Negra Brasileira tenta reativar junto à Justiça Eleitoral o único partido que já existiu no Brasil com a centralidade de defender as demandas da população preta e parda.
A FNB (Frente Negra Brasileira) foi fundada em 1931, em São Paulo, e é considerada por historiadores fulcral na luta por direitos. Em 1936 ela virou partido político, mas, antes de colocar candidatos nas urnas, foi extinta pela ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), que proibiu todas as organizações políticas da época.
Para militantes da Nova Frente Negra Brasileira, que diz reunir também descendentes do antigo movimento, a Justiça precisa explicar o que aconteceu com a sigla, que nunca foi extinta por este Poder. A Nova Frente foi fundada em 2016, tem representantes em 20 estados do país e cerca de 5.000 integrantes, segundo a organização.
“A gente levantou documentos jurídicos, históricos e políticos e fez um protocolo de reativação do partido da Frente Negra Brasileira”, afirma Tadeu Kaçula, coordenador nacional da Nova FNB. De acordo com ele, o movimento iniciou diálogo —convertido em processo— no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2022, quando o grupo foi recebido por Edson Fachin, então presidente da corte.
“Nós entendemos que, se o TSE homologou a Frente Negra Brasileira como partido político e não revogou a homologação, esse partido nunca se encerrou. Se os próprios membros da sigla não foram ao TSE e pediram para encerrar o registro, ele não se encerrou”.
Agora, a organização prepara um documento para levar a demanda ao STF (Supremo Tribunal Federal). “Na semana passada, tivemos uma audiência no Supremo fazendo uma agenda positiva para entender os ritos, a liturgia jurídica para entrar com uma tese —que já está pronta— para que a corte possa julgar constitucional a reativação do Partido da Frente Negra Brasileira”.
Kaçula afirma que a recuperação da sigla seria uma reparação histórica, considerando o peso que teve a FNB em sua época. Segundo Petrônio Domingues, doutor em história pela USP e professor da Universidade Federal de Sergipe, a frente reuniu milhares de filiados, com número estimado entre 15 e 200 mil.
Teve mais de 60 sucursais e se expandiu para Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. De acordo com Domingues, ela conseguiu benefícios concretos para a população por meio da pressão junto a políticos, como eliminar a proibição velada do ingresso de negros em locais de lazer e na Guarda Civil de São Paulo. Teve escola, um jornal, chamado “A Voz da Raça”, e time de futebol.
Inconteste a importância, um aspecto sobre a FNB é considerado espinhoso atualmente: seu espectro político. Enquanto parte dos pesquisadores, como Domingues, defende que predominou na cúpula da associação o discurso de direita, com aproximação da AIB (Ação Integralista Brasileira), outra parte diz que a Frente era progressista.
Essa é a interpretação da Nova FNB. Segundo Kaçula, a agenda da antiga frente se enquadrava assim porque era voltada a programas de ação afirmativa e de inclusão da população sub-representada.
Para o historiador Zezito Araújo, doutor honoris causa pela Ufal (Universidade Federal de Alagoas), é tendencioso tentar enquadrar a FNB em direita ou esquerda com as lentes contemporâneas. Ele destaca a diversidade interna que havia na organização e pondera que o mais importante é focar o ineditismo do movimento, que congregou várias tendências políticas contra o racismo.
Até hoje o alcance da agremiação é singular. Desde então, nunca o Brasil viu uma sigla partidária cuja centralidade fosse a questão racial.
Consta na lista de partidos em formação no TSE o PDA-B (Partido Democrático Afro-brasileiro), com a missão de “promover a igualdade racial, social e econômica no Brasil, valorizando a cultura afro-brasileira e combatendo o racismo estrutural”, segundo o site da organização.
Tem sede em Brasília e 155 assinaturas registradas no tribunal. Para que a criação de um partido seja aprovada, uma sigla em formação precisa atualmente superar a marca de 500 mil assinaturas, distribuídas em pelo menos nove estados, dentre outros requisitos.
Projetos mais incipientes estão em curso no movimento negro. Dentre eles está o Raízes, com proposta “antirracista de protagonismo negro e indígena”.
Segundo Edna Ramos Soares, diretora de mulheres da organização, a proposta é pautar a paridade de gênero e a proporcionalidade de negros e indígenas no interior da sigla, uma vez que os partidos existentes não assumem compromisso sério com a pauta.
Um empecilho, porém, é a falta de verba para seguir os trâmites necessários para fazer a propositura junto ao TSE, afirma.
De acordo com Douglas Belchior, diretor do Instituto de Referência Negra Peregum e co-fundador da Uneafro e da Coalizão Negra por Direitos, “sempre houve debate sobre a necessidade e viabilidade de partidos negros” no Brasil.
Ele diz ser importante a criação de uma sigla que represente essa parcela da população, em cenário com sub-representatividade de políticos negros e com partidos resistentes a investir na diversidade interna.
Apesar disso, acha que a empreitada é inviável no momento, em razão da dificuldade em criar uma legenda que represente de fato o movimento negro.
“Isso conversa com a complexidade do debate racial brasileiro. Não é simples discutir isso no Brasil, porque a população negra não se reconhece como um bloco uníssono. A sua diversidade política e ideológica justifica a sua dispersão política também. Nós não conseguimos construir —isso é um desafio para nós do movimento negro— uma unidade política que viabilizasse um partido negro”.
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