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Opinião – Deborah Bizarria: Se a família importa, os pais importam

O Congresso aprovou, nesta semana, a ampliação da licença-paternidade de cinco para até vinte dias. O relator do projeto, o deputado Pedro Campos (PE), contou com uma articulação que uniu Tabata Amaral (PSB-SP)e Damares Alves (Republicanos) na defesa de uma medida de alto retorno social: permitir que os pais fiquem mais tempo com seus filhos recém-nascidos.

Mesmo com esse consenso, a proposta foi desidratada em plenário de 30 para os 20 dias aprovados, depois de forte atuação de entidades empresariais contrárias à ampliação e do silêncio de vários parlamentares que costumam invocar a defesa da família. A nova regra terá implementação gradual e só alcançará o limite de vinte dias em 2029, condicionada ao cumprimento de metas fiscais.

O argumento para a limitação foi o impacto orçamentário. O projeto prevê que o custo da licença será coberto pela Previdência Social, com estimativa de R$3,3 bilhões em 2027 e R$5,4 bilhões em 2029. O valor equivale a menos de 0,1% dos R$678 bilhões em subsídios federais concedidos em 2024, entre renúncias tributárias, crédito subsidiado e transferências financeiras.

A dificuldade não está na falta de recursos, mas na prioridade dada a cada política pública. O país mantém uma estrutura de gastos que protege setores específicos, mas reluta em financiar medidas que beneficiam famílias comuns. O orçamento, no fim, é sempre um espelho de escolhas políticas.

A decisão expõe um problema da economia política: quando os custos são concentrados e os benefícios são dispersos, a proposta perde força. No caso da licença-paternidade, os principais beneficiários são bebês ainda por nascer e famílias com pouca voz organizada, enquanto os custos recaem sobre setores capazes de pressionar diretamente o Congresso. Esses setores atuaram para encolher a proposta, evocando perda de produtividade e novos encargos, embora a conta tenha sido deslocada para o setor público.

Esse desenho ajuda a explicar por que nosso debate fiscal se encurta: fala-se muito de metas e pouco de mérito. Subsídios setoriais resistem a cortes quase por reflexo; quando a política envolve cuidado e infância, surge contenção de gastos antes mesmo de se pesar os benefícios.

Com a licença, crianças têm melhor desempenho escolar e menor risco de evasão, pais elevam sua participação no cuidado cotidiano e as mães apresentam menos afastamentos por questões de saúde ao longo dos anos.

Esses resultados aparecem em estudos com dados da Noruega, como os que analisam reformas de licença que induziram maior participação paterna. Entre eles, trabalhos de Cools, Fiva e Kirkebøen documentam os efeitos sobre aprendizagem e permanência escolar, enquanto Dahl, Løken e Mogstad mostram o aumento do envolvimento dos pais e a redução de afastamentos maternos por problemas de saúde.

A economista Emily Oster, no projeto Data Parenting, chega a conclusões semelhantes com base em meta-análises: a presença paterna no início da vida reduz sintomas de depressão pós-parto, melhora o sono e o desenvolvimento cognitivo das crianças e eleva a estabilidade conjugal. São efeitos amplos, mas de custo inicial baixo, especialmente se comparados ao volume de renúncias fiscais mantidas.

Discursos sobre família são frequentes, políticas que lhes sirvam bem mais raras. Enquanto o projeto tramitava, faltou voz de quem afirma defendê-la. Proteger a família é criar condições para que pais e mães cuidem dos filhos com tempo, saúde e segurança. O passo seguinte seria a licença parental compartilhada, com mínimo garantido a cada responsável e possibilidade de uso conjunto e alternado, como já adotam países que registram ganhos de bem-estar para crianças, pais e mães.

Assim, no debate fiscal e de produtividade, deveriam contar o cuidado como de investimento econômico. Já no debate sobre valores, se a família é tão importante, ampliar o tempo dos pais com seus filhos recém nascidos também deveria importar.


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