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Padre Dário Bossi, COP30: os desafios globais – Vatican News

Para refletir sobre o papel da Igreja nesse importante evento, COP30, conversamos com o padre Dário Bossi, missionário comboniano italiano que há mais de vinte anos atua no Brasil.

Adielson Agrelos, Regional Leste 1 – CNBB

Neste mês de novembro, o mundo volta seus olhos para Belém do Pará, onde sde realiza a tão aguardada Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30). O encontro reúne lideranças globais, especialistas e representantes da sociedade civil para discutir caminhos concretos diante da crise ambiental que ameaça o planeta. Nesse contexto, a Igreja Católica reafirma seu compromisso com o cuidado da Casa Comum, inspirada pela encíclica Laudato Si’ e pela missão de promover uma ecologia integral que una fé, justiça e solidariedade com os mais vulneráveis.

Para refletir sobre o papel da Igreja nesse importante evento, conversamos com o padre Dário Bossi, missionário comboniano italiano que há mais de vinte anos atua no Brasil. Com passagem pela zona leste de São Paulo e longa vivência no Maranhão, especialmente junto às comunidades de Piquiá, em Açailândia, Padre Dário assumiu a defesa das populações atingidas pelas violações socioambientais ligadas à mineração e siderurgia. Foi coordenador da rede Justiça nos Trilhos, assessor da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) e participante do Sínodo da Amazônia. Atualmente integra a rede ecumênica latino-americana Iglesias y Minería e atua como assessor da Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora e da Comissão para Ecologia Integral e Mineração da CNBB, sendo uma das vozes mais consistentes na articulação entre fé e justiça socioambiental.]

A COP30 será um marco importante nas negociações climáticas globais. O que diferencia esta conferência das anteriores?

Sobre a encíclica Laudato Si’, a encíclica apresenta o modelo, a visão, o sonho da ecologia integral, que é, finalmente, uma perspectiva de interconexão entre as diversas esferas da vida humana e da organização social: a política, a economia, a cultura, a educação, a fé, os estilos de vida coletivos, comunitários, familiares e individuais. Então, a ecologia integral interconecta todos esses elementos, desafiando para que todos eles contribuam para a promoção da vida entre todas as criaturas existentes. Neste caso, reconfirma aquilo que diz a Laudato Si’: que não são mais suficientes pequenos remendos ou reparos pontuais aos dramas e às catástrofes que estamos assistindo, mas são necessárias mudanças radicais. O Papa Francisco as chama de revolução cultural, uma verdadeira conversão ecológica, uma mudança profunda de rumo. Na Laudato Si’ se fala de interconexão também entre a ciência e os saberes ancestrais. Isso é muito importante porque valoriza e redescobre outros modos de nos relacionar com o planeta. Dizíamos antes: outras tecnologias, tão sofisticadas quanto aquelas do saber ocidental, são as dos povos originários e das comunidades locais. É preciso, de fato, respeitar, de um lado, as indicações da ciência e renovar uma aliança, um pacto de cooperação e de aprendizado recíproco com os saberes ancestrais.

Padre Bossi nos estúdios da Rádio Vaticano

Padre Bossi nos estúdios da Rádio Vaticano

Quais são os principais desafios que o mundo enfrenta hoje para conter o aquecimento global dentro do limite de 1,5 °C?

Como afirmávamos antes, o desafio maior são os acordos para uma progressiva saída dos combustíveis fósseis — aquilo que, em inglês, nas duas COPs anteriores, foi chamado phase-out, que é, de fato, uma saída progressiva. Infelizmente, temos um lobby muito forte das empresas de petróleo e de alguns Estados, inclusive o brasileiro, que estão desmontando esse processo ou adiando-o, sem a pressa que se faria necessária. Um outro desafio, em geral, é, digamos, a saída do modelo extrativista predatório que, além da questão do petróleo, se refere também à sanha por minérios, que será, digamos, o grande tema do século XXI: a apropriação e o controle dos minérios críticos e das terras-raras, dos minérios necessários para a chamada transição energética. E esse será um outro lado de como evitar que, também nesse caso, se caia na falácia de um modelo extrativista predatório, cuja outra expressão é o agronegócio — terceiro grande vilão, junto ao petróleo e à mineração —, a terceira grande expressão do extrativismo. Sabemos que o agronegócio, especialmente no Brasil, está entre os principais responsáveis pelo desmatamento da Amazônia e dos outros biomas, entre eles, sobretudo, o Cerrado e o Pantanal. Um último desafio que eu destacaria é aquilo que o Papa Francisco chama de tecnocracia. Quer dizer, a ilusão de que a solução para este colapso climático e ambiental em que nos encontramos venha justamente de quem provocou o dano. É o clássico mecanismo da raposa no galinheiro: acreditar que as soluções tecnológicas do poder capitalista, que até agora estruturou esse nível de dano, sejam, ao mesmo tempo, aquelas que detenham a solução. Isso é aquilo que a Igreja chama de falsas soluções, que precisamos denunciar e das quais precisamos nos afastar.

Como a COP30 pode ser uma oportunidade de repensar nossos modelos de desenvolvimento e consumo?

O Papa Francisco, e também agora o Papa Leão XIV, em sua exortação Dilexi te, afirmaram que esta economia mata. Então, é muito urgente e necessário repensar o modelo econômico como um todo. É um modelo que se baseia sobre a lógica do descarte — descarte de coisas e descarte de pessoas. É um círculo vicioso: extrair, consumir e descartar. Extrair materiais, mas também energias e força das pessoas; consumir produtos e gente; e descartar coisas e pessoas. É um modelo que se baseia na falta de limite. O capitalismo, por definição, vigora na medida em que cresce, mas isso é impossível num contexto finito, como é o planeta. Nesse sentido, é muito urgente estruturar a crítica a esta economia, explicitando a crítica ao crescimento. Não podemos mais sustentar uma economia de crescimento. Precisamos ter uma postura crítica a respeito da expressão “desenvolvimento” também, que muitas vezes é considerada um sinônimo de crescimento, como se o bem comum se garantisse só na medida em que o consumo e a produção crescem. Não é este o único parâmetro para medir a qualidade de vida de um povo, de uma sociedade. Políticas que usam as indígenas críticas a essa compreensão de desenvolvimento utilizam a expressão envolvimento, que tem a ver com a capacidade de tecer novas relações — novas relações a partir de velhas lições, eu diria: as lições da sabedoria dos povos e das comunidades que, por centenas de anos, souberam, com tecnologias extremamente sofisticadas, conviver com o meio ambiente. Uma outra oportunidade de repensamento é aquilo que o Papa Francisco, em Laudato Si’, chama de sobriedade feliz, que é a capacidade de reduzir o nível de consumo e o nível de felicidade quando depender da relação com as coisas, transferindo e dando mais densidade à nossa compreensão de felicidade. Trata-se de uma transformação econômica, e não simplesmente de uma transição energética, que pode ser um projeto enganoso, porque a transição energética, até hoje, de fato, não garantiu uma mudança de sistema, mas simplesmente um acréscimo de produção de energia. Uma chave, digamos, estudada e que precisamos consolidar na prática — e que é forte também, sobretudo, na Latinoamérica, para essa transformação econômica — são as chamadas transições ao pós-extrativismo, que é um modelo econômico que, de fato, pretende sair da solução exclusiva do extrativismo predatório e oferecer percursos de transição para a chave de chegar ao extrativismo essencial, não mais vinculado aos lucros e à financeirização da economia, que estão forçando esses altíssimos ritmos e taxas de depredação da Mãe Terra.

Por que é importante que a Igreja Católica participe ativamente da COP30?

A mudança deste sistema — aquilo que falávamos de uma transformação profunda — não vai poder acontecer por imposições políticas sozinhas e, muito menos, por decisões econômicas, que sabemos serem direcionadas atualmente pela lógica do lucro, pela métrica do lucro. A mudança acontece pela ética, por novas perspectivas de sentido, de inclusão, de respeito, de relações e de reconciliação com o planeta, como diz o Papa Francisco na exortação Laudate Deum. Para motivar esta mudança ética, é preciso uma autoridade moral. Não é por acaso que a ONU, por ocasião desta COP30, estruturou aquilo que chama de balanço ético global: a tentativa de agregar, numa mesma plataforma, numa mesma mesa de trabalho e de propostas, atores que tenham uma incidência ética em nível mundial — as religiões, a arte, a cultura. A Igreja Católica ainda tem uma certa autoridade moral, pelo menos em alguns países do mundo, como aqui no Brasil. Destaquemos a contribuição decisiva do Papa Francisco na Laudato Si’, dez anos atrás, que ainda hoje é um dos documentos mais inspiradores e que mais orientam o compromisso mundial em defesa da criação e da natureza. A Igreja é importante também porque, ao mesmo tempo, está presente na ponta, nos territórios mais isolados, mas também nos espaços de negociação e de incidência política de maior autoridade. E a Igreja é um dos atores que, no Brasil e também na América Latina, marcou e assumiu uma aliança, um compromisso de defesa dos povos e de seus territórios. Esse foi um compromisso que, particularmente no Sínodo para a Amazônia, foi firmado e que faz da Igreja, de fato, um ator que se comprometeu e que não pode recuar.

A encíclica Laudato Si’ fala que “tudo está interligado”. Como essa visão pode ajudar o mundo a compreender melhor a crise ecológica?

Sabemos que, no mundo — e no Brasil, de modo especial —, existe um forte racismo ambiental, que é, de fato, a discriminação das violações contra o meio ambiente, que recaem de modo prioritário sobre os mais pobres e sobre os povos e as comunidades mais excluídas, como os povos negros, quilombolas, indígenas e camponeses. O racismo ambiental é aquele que faz das vítimas os menos protegidos. Isso acontece também nos contextos urbanos mais precários. E aqui vemos uma conexão entre a Campanha da Fraternidade de 2025, sobre a ecologia integral, e aquela de 2026, sobre a moradia. O racismo ambiental e os rostos humanos mais ameaçados se dão também nos ambientes em que o equilíbrio é mais precário, por causa das secas e das enchentes. Por exemplo, a Amazônia e algumas regiões que estão começando a se desertificar, como as regiões do oeste da Bahia — é a primeira vez que chega ao Brasil o bioma do deserto. Em muitos desses casos, essa ameaça ao equilíbrio ambiental está conectada à expansão do agronegócio e ao fato de que o agronegócio se torna cada vez mais um hidronegócio: um devorador de água, um exportador de água. Por que isso é grave? Por que chamamos isso de racismo? Porque poderíamos dizer que, sim, diante do colapso climático e ambiental, toda a humanidade se encontra na mesma tempestade. Mas, como dizia o Papa Francisco, muitos grupos humanos estão atravessando essa tempestade em barquinhos de vela ou canoas muito precárias, enquanto outros têm seus iates, que, no máximo, vão balançar um pouco, mas não vão colocar em risco as vidas de quem está mais rico. Nesse sentido, a COP30 se torna também a COP em que, mais urgentemente, precisaremos dialogar e tomar decisões sobre reparação e adaptação, com investimentos financeiros consistentes — sobretudo por doações do Norte Global, responsável por sua dívida ecológica frente ao Sul Global —, doações para agir na reparação dos danos que mais afetam os povos mais ameaçados e na adaptação, na capacidade de organizar estruturas urbanas e rurais capazes de resistirem cada vez mais aos fenômenos climáticos extremos que irão aumentando.

O saudoso Papa Francisco lembra que a crise ambiental é também uma crise social. Quais rostos humanos estão mais ameaçados pela degradação da Casa Comum?

É fundamental o papel da educação ambiental e o investimento nas novas gerações. A gente tem visto, inclusive, o quanto programas de educação ambiental sérios e consistentes transformam a sensibilidade de pessoas e comunidades. Então, é muito urgente que os Estados organizem e reforcem percursos formais e informais de educação ambiental junto a todos os agentes da sociedade civil. Penso no papel da escola, das religiões, das estratégias de comunicação social, da catequese etc. Trata-se, além disso, de oferecer e realizar um esforço permanente de educação para a informação e para o uso das redes sociais. Isso não vale apenas em relação às questões ambientais, mas, em geral, para todas as situações de manipulação da informação. Precisamos tornar cada vez mais consistentes os programas de formação que eduquem para a criticidade, para a leitura crítica e para a sabedoria no uso da informação.

Em tempos de polarização e desinformação, como comunicar a urgência do cuidado com a Casa Comum de maneira que gere comunhão e não divisão?

A Igreja está fortemente presente nesta COP30. Nos nossos cálculos, devem estar pelo menos nove cardeais e cerca de quarenta bispos de todas as partes do mundo: América Latina, América do Norte, Europa, África, Ásia e Oceania. Talvez seja a COP em que a Igreja se faz mais presente do ponto de vista institucional, mas também com delegações e expressões dos seus mais diversos segmentos: o mundo da educação católica, o mundo da vida religiosa, o mundo do ecumenismo, as paróquias e dioceses, os movimentos. É muito importante esta presença da Igreja, que, de certa maneira, provoca os cristãos e as cristãs a reconhecerem a prioridade deste tema ambiental e climático também para a missão da Igreja. Isso se deu não só nesses quinze dias da COP30, mas aconteceu ao longo do ano inteiro, já que a Igreja — particularmente o projeto Igreja Rumo à COP30, que é um projeto latino-americano com protagonismo brasileiro — organizou diversas pré-COPs, pré-conferências, mobilizando as comunidades locais nas macro-regiões do Brasil e, de forma repetida e capilar, em muitos dos territórios, assumindo e definindo compromissos locais na aliança entre a Igreja e as comunidades, os povos, os defensores e defensoras dos territórios. É muito importante que a Igreja tenha assumido um posicionamento oficial. Inclusive, há um documento relevante da Igreja do Sul Global, assinado pelos três cardeais presidentes das conferências episcopais continentais da Ásia, África e América Latina. Está amadurecendo cada vez mais a missão da ecologia integral dentro da Igreja. A COP é uma oportunidade, mas a mudança, em si, vai se dar no dia a dia, antes e depois da COP. A gente usa o lema: “A história do clima se muda a partir dos territórios.” E é isso que a Igreja vem fazendo já antes desta COP e, na minha opinião, fortalecerá ainda mais em suas ações, para não perder a coerência e o compromisso depois da COP30.

Como essa conferência pode inspirar novas gerações de cristãos comprometidos com o meio ambiente e com os pobres?

É um símbolo de um dos biomas mais ameaçados do mundo. Inclusive, o próprio Papa Francisco, na encíclica Laudato Si’, cita a Amazônia e a bacia do rio Congo exatamente como dois dos exemplos mais arriscados do mundo. Então, ter uma COP na Amazônia faz uma diferença total. Um outro marco importante é o fato de que o Brasil tem a presidência. E o Brasil, historicamente, primeiro, é um país onde existe mais liberdade de expressão e de participação, se comparado com os últimos encontros realizados nas COPs anteriores, e é também um país que tem uma capacidade de mediação diplomática notável. Então, a perspectiva e a possibilidade de estruturar processos diplomáticos de acordo e convergência existem. Também é uma COP diferente das anteriores porque a urgência e a gravidade da situação são cada vez mais gritantes, e há uma consciência cada vez maior a respeito disso. O presidente da COP, Correia do Lago, diz que esta será a COP da implementação — quer dizer, não simplesmente mais uma tentativa de chegar a novos acordos, mas de concretizar os acordos que até agora não foram realizados.O contexto histórico em que esta COP se dá é um contexto de grave crise da governança e de negacionismo, de retirada de alguns entre os países de maior poder e destaque, como os Estados Unidos, e, com isso, um boicote aos processos de multilateralismo que se fazem necessários nesses momentos. Por último, esta COP é diferente das anteriores porque, a cada cinco anos, há a necessidade de revisão das NDCs, que são as Contribuições Nacionalmente Determinadas (uma sigla em inglês). Em poucas palavras, trata-se dos planos climáticos de cada país e do compromisso de redução das emissões que cada um precisa avaliar com respeito aos anos que se passaram e renovar com respeito aos próximos cinco ou dez anos. Então, esta COP será muito importante porque poderá medir o nível de compromisso de cada país e, a partir dele, chegar a um nível de acordo suficientemente consistente, pelo que se espera. Por último, a grave contradição desta COP é que, a vinte dias do início dela, o país anfitrião acaba de licenciar a perfuração de poços de petróleo exatamente em frente ao local onde a COP acontecerá. É, de modo escancarado, uma contradição que boicota, de fato, a incidência e a seriedade com que o Brasil poderia conduzir este processo. É muito grave isso: enfraquece demais o poder de acordo e também a autoridade moral que o Brasil tem. Isso nos preocupa bastante.


Fonte: Vatican News

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