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Opinião – Marcos Augusto Gonçalves: ‘O Agente Secreto’ é Fellini no Recife, filme B e bom cinema

Há muito o que falar sobre “O Agente Secreto”, de Kléber Mendonça Filho, melhor diretor no festival de Cannes —que também premiou o ator Wagner Moura, protagonista da história. Falarei um pouco.

O filme não se concentra numa narrativa central, embora ela exista, mas cercada de outras situações e derivas, uma delas marcante, que nos acompanha como uma espécie de filme B dentro filme. É a história, em clima fantástico e popular, da Perna Cabeluda. Isso mesmo, uma perna que aparece na barriga de um tubarão, é cercada de mistério, roubada do Instituto Médico Legal e transformada pelo disse que disse do povo e pela imprensa num ser com vida própria, que faz aparições violentas em horas noturnas na cidade.

A Perna Cabeluda é um desses mitos inflados por antigos jornais populares sensacionalistas. Em 1975, por exemplo, época do filme (que se passa em 1977) o Notícias Populares, de São Paulo, atraía leitores com a história do Bebê-Diabo.

O jornal diário, aliás, desempenha papel de destaque em “O Agente Secreto“, não somente pela Perna Cabeluda, mas por servir como registro noticioso, precário que seja, de acontecimentos diretamente ligados à trama.

Dos filmes de ficção do diretor, este parece ser o que mais o aproxima, digamos assim, de um Fellini no Recife. O longa, a propósito, foi lançado depois de “Retratos Fantasmas”, uma incursão memorialística pelos caminhos da presença do cinema na vida de sua cidade natal.

Em “O Agente Secreto” temos um expressivo passeio pela paisagem humana, social e urbana daquele Recife de final dos anos 1970 —aspecto essencial ao filme. Mendonça não coloca dentaduras e tampouco aplica injeções emagrecedoras em seus personagens. Trata-os com um realismo felliniano, em que se combinam afeto, repulsa, humor e vida.

Sobre as relações com a ditadura, a história é mais oblíqua, por não tratar diretamente do núcleo militar, ressaltando a capilaridade do arbítrio policialesco, o ambiente de tensões e o lado empresarial, privado e estatal, do regime —estávamos sob Geisel, que aparece lá, no retrato oficial, pendurado na parede.

Kleber Mendonça Filho chamou a atenção de início com seu ótimo “O Som ao Redor”, de 2012. Depois vieram “Aquarius”, em 2016, e “Bacurau”, em 2019. Gosto dos dois, mais de “Bacurau”, que acabou embrulhado pelo clima de polarização da época, animado pelo fato de o diretor e sua estrela Sonia Braga terem usado ocasiões públicas proporcionadas pelo filme para divulgar o “Lula livre”, liderado pelo PT.

Atacado por antipetistas e defendido pela esquerda, “Bacurau” foi predominantemente analisado no contexto de questões cinemanovistas e da resistência ao imperialismo americano. Para alguns reavivou o tema, para outros o retomou de maneira anacrônica. Não vejo assim. Diria que sua fabulação distópica da violência arbitrária evoca o cinema marginal e se aproxima mais do que vemos em operações policiais em favelas do Rio ou em situações em Gaza do que do velho imperialismo.

De todo modo, percebo (e gosto) de alguma coisa que me parece coxeante nos filmes de Kleber Mendonça. Talvez por isso tenha ficado siderado pela expressiva sequência de uma longa caminhada do personagem Alexandre (Carlos Francisco) pelas ruas da cidade.


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