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A Exortação Apostólica nos ajuda a reconhecer que a pobreza não tem um único rosto. Há a pobreza material — daqueles que carecem do pão, do lar, do trabalho. Mas há também a pobreza da solidão, a pobreza da indiferença, a pobreza espiritual de quem perdeu o sentido da vida e o horizonte da fé.
Dom George Khoury – Bispo da Eparquia Greco-Melquita Católica do Brasil
Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo, A Igreja, em sua longa caminhada ao longo dos séculos, sempre se renova pela voz do Sucessor de Pedro.
Neste tempo de graça, somos chamados a acolher com alegria a primeira Exortação Apostólica do Papa Leão XIV, intitulada Dilexi te, que significa em latim: “Eu te amei.” Essas palavras, tiradas do Livro do Apocalipse, são a síntese de toda a mensagem cristã: Deus nos amou primeiro. E porque nos amou, enviou o seu Filho, que se fez pobre para nos enriquecer com a sua graça.
1. O contexto do documento.
Publicada em 4 de outubro de 2025, festa de São Francisco de Assis — o santo da pobreza evangélica e da fraternidade universal —, esta exortação nasce sob o signo da ternura e da simplicidade.
O Papa Leão XIV inaugura o seu pontificado recordando à Igreja o essencial: a caridade é a alma da fé, e a fé autêntica sempre conduz à compaixão e ao serviço.
O Santo Padre retoma, aprofunda e prolonga o caminho traçado por seus predecessores, especialmente o Papa Francisco, ao insistir que a pobreza não é apenas uma realidade social, mas uma realidade teológica, um lugar onde Deus se revela.
Nos pobres, Deus fala; nos pobres, Deus espera ser amado; nos pobres, Deus renova o mundo.
2. O coração da Exortação Apostólica: “Eu te amei”
“Eu te amei” — diz o Senhor à sua Igreja. Essa frase, tão breve e tão profunda, é o fio condutor de todo o texto. O Papa Leão XIV nos faz perceber que a mensagem do Evangelho só é compreendida à luz desse amor. O cristianismo não começa com uma lei, nem com uma ideia, mas com um encontro: o encontro com Cristo que nos ama e nos envia a amar.
Mas o amor de Cristo é diferente dos amores humanos. Ele não é sentimentalismo passageiro nem filantropia. É um amor que se abaixa, que se compromete, que assume a cruz.
Por isso, o Papa escreve: “Deus não ama do alto. Ele ama de dentro. O amor de Cristo tem o sabor da terra e o peso da dor humana.”
3. A pobreza com muitos rostos.
A Exortação Apostólica nos ajuda a reconhecer que a pobreza não tem um único rosto. Há a pobreza material — daqueles que carecem do pão, do lar, do trabalho. Mas há também a pobreza da solidão, a pobreza da indiferença, a pobreza espiritual de quem perdeu o sentido da vida e o horizonte da fé.
O Papa convida toda a Igreja a olhar com sensibilidade para essas novas formas de miséria que marcam o nosso tempo: o idoso abandonado, o jovem sem esperança, o migrante rejeitado, a criança sem futuro.
Cada um deles é imagem de Cristo sofredor. E é precisamente nesses rostos, feridos e esquecidos, que resplandece o amor do Senhor.
4. Da esmola à transformação.
Dilexi te é um apelo à conversão pastoral e social. O Santo Padre ensina que a caridade não se reduz a esmolas ocasionais, mas implica uma verdadeira transformação de mentalidade e de estruturas.
A Igreja deve ser caridosa, sim, mas também profética — capaz de denunciar as injustiças que geram pobreza e exclusão.
Em um dos trechos mais fortes da exortação, o Papa escreve: “Não podemos contentar-nos em aliviar as dores dos pobres, sem tocar as causas que as produzem. Amar como Cristo é trabalhar pela justiça, pela equidade e pela dignidade de cada pessoa.”
Essa afirmação ecoa como um chamado urgente para todos nós — pastores, leigos, consagrados, líderes sociais.
Amar o pobre é também defendê-lo, promovê-lo, erguê-lo. É lutar para que ninguém seja descartado, esquecido ou tratado como invisível.
5. A Igreja dos pobres e com os pobres.
O Papa Leão XIV afirma com clareza: “A Igreja não está ao lado dos pobres; ela é parte deles.” Essa é uma das passagens mais inspiradoras do documento. Não somos visitantes do sofrimento alheio, mas membros de um mesmo corpo. A pobreza do outro é também a nossa pobreza. O sofrimento do irmão fere o coração da Igreja. Por isso, o Santo Padre pede uma Igreja mais simples, mais próxima, mais solidária — uma Igreja que não tema sujar as mãos, que saia das sacristias e vá aos lugares onde a vida clama por redenção. Como o Bom Samaritano, a Igreja é chamada a se inclinar, a cuidar, a pagar o preço da compaixão.
6. O amor que cura e recria.
O Papa também recorda que o amor cristão tem poder de cura. Não se trata apenas de resolver problemas, mas de restaurar a dignidade de quem foi ferido. A caridade, quando é verdadeira, faz o outro levantar a cabeça, olhar de novo para o céu, e sentir-se amado. Em tempos de tanta fragmentação, polarização e violência, Dilexi te é um antídoto espiritual. O Papa nos oferece um caminho de reconciliação que começa pela misericórdia. Ele diz: “O pobre não precisa que lhe falem de Deus. Precisa que veja Deus nos gestos de quem o ama.” Essa frase resume a essência da missão cristã. Evangelizar é amar, e amar é tornar Deus visível.
7. Um programa de vida para a Igreja.
A Exortação Dilexi te não é um texto de ocasião. Ela é, de certo modo, um programa de pontificado, um projeto de renovação espiritual e pastoral. Convida-nos a repensar nossas prioridades: o que vale mais? O poder ou o serviço? O brilho das estruturas ou a luz do Evangelho vivido no meio dos pobres?
O Papa Leão XIV nos desafia a ser uma Igreja menos autorreferencial e mais missionária, menos preocupada consigo mesma e mais atenta ao sofrimento do mundo.
Cada cristão, cada comunidade, é chamado a encarnar o amor de Cristo no cotidiano — nas famílias, nos trabalhos, nas ruas e nas fronteiras da existência humana. Palavras que se tornam oração. Ao ler Dilexi te, sentimos que não é apenas um documento, mas uma oração. É como se o Papa se colocasse aos pés do Senhor e dissesse: “Ensina-nos, ó Cristo, a amar como Tu amas; a ver com Teus olhos, a tocar com Tuas mãos, a servir com Teu coração.”
Que bela lição para todos nós! Amar o pobre é rezar com as mãos. Servir é a forma mais alta de adoração. A fé sem caridade torna-se vazia; a liturgia sem compaixão torna-se fria.
8. Conclusão: o amor que renova o mundo.
Queridos irmãos e irmãs, A exortação Dilexi te é uma carta aberta ao coração da humanidade. Nela, o Papa Leão XIV repete com firmeza e ternura as palavras de Cristo: “Eu te amei.” Estas palavras devem ecoar nas nossas comunidades, nas nossas famílias e, sobretudo, nos nossos gestos concretos de solidariedade.
Que este novo sopro do Espírito Santo nos leve a redescobrir a alegria de amar os pobres, de partilhar com os que sofrem, e de transformar a caridade em estilo de vida.
Somente o amor poderá curar as feridas do mundo e restaurar a beleza da Igreja. Que Maria Santíssima, Mãe dos pobres e Rainha da misericórdia, acompanhe o Papa Leão XIV e toda a Igreja nesta nova etapa de fé e de serviço. E que nós, guiados pelo seu exemplo, possamos repetir com o coração e com a vida: “Senhor, eu também quero amar como Tu me amaste.”
Em Cristo, que se fez pobre por amor.
Fonte: Vatican News