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É hora de novos rumos, sem a exposição pública do STF, diz Barroso ao anunciar aposentadoria

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), anunciou nesta quinta-feira (9) aposentadoria antecipada do tribunal.

“Sinto que agora é hora de seguir outros rumos. Nem sequer os tenho bem definidos, mas não tenho qualquer apego ao poder e gostaria de viver um pouco mais da vida que me resta sem a exposição pública, as obrigações e exigências do cargo”, disse, emocionado.

Ele fez o anúncio ao final da sessão plenária. O ministro ocupou o cargo por 12 anos e 3 meses. Barroso completará 75 anos em 2033, quando teria de se aposentar compulsoriamente.

Barroso contou que há dois anos comentou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que pensava em deixar o tribunal antes do tempo.

No último sábado (4), os dois estiveram juntos no show da cantora Maria Bethânia. Segundo Barroso, ele disse ao petista que precisariam conversar e os dois agendaram uma reunião para esta quarta, mas o encontro acabou cancelado diante dos compromissos do presidente. Por isso, os dois não se falaram na véspera do anúncio.

Barroso disse ter se preparado para esse momento, mas precisou de pausas na fala para seguir o discurso e pediu mais água para se acalmar.

“O radicalismo é inimigo da verdade. A gente na vida deve ter cuidado para não se apaixonar pelas próprias razões. Apesar das dificuldades que ainda não superamos, como a pobreza e a desigualdade, reafirmo também a minha fé no Brasil, o país mais lindo do mundo”, disse.

Ele disse ainda não ter arrependimentos na sua trajetória na corte.

“Não carrego nenhum arrependimento, nem nunca tive medo de nada. E não falo isso por pretensão ou arrogância, mas por minha crença mais profunda, a de que o universo protege as pessoas que se movem por bons propósitos”, afirmou.

O ministro deve permanecer no Supremo até a próxima semana. Ele tem um grande acervo de processos e pedidos de vistas pendentes que pretende organizar até sexta-feira (17).

Um dos pedidos de vista se refere ao julgamento sobre aborto. O ministro disse nesta quinta que a criminalização é um componente discriminatório porque “tem efeito perverso sobre as mulheres pobres”.

Ele não se decidiu se vai liberar o caso para julgamento. “A consideração que eu estou fazendo é que nós já vivemos um momento com muitos temas delicados acontecendo ao mesmo tempo e os riscos de uma decisão divisiva criar um ambiente ainda mais turbulento no país”, disse.

Barroso comandou o STF durante a primeira condenação de um ex-presidente por golpe de Estado na história do país. O ministro afirmou que não poderia sair da corte antes da conclusão do julgamento do núcleo central da trama golpista de 2022, que resultou na condenação de Jair Bolsonaro (PL). “Era meu dever estar aqui, estar do lado dos meus colegas”, disse.

A condenação foi o auge de um período conflituoso entre o magistrado, o STF e o bolsonarismo. Antes mesmo de assumir o principal cargo do Judiciário, o ministro já era alvo constante de Bolsonaro.

Não é comum que ministros da corte antecipem sua saída do tribunal. A última vez que um magistrado antecipou a aposentadoria em mais de um mês foi em 2014, com Joaquim Barbosa. Ele só teria de se aposentar compulsoriamente em 2024.

O presidente do STF, Edson Fachin, disse que Barroso deixou sua marca na construção do direito constitucional brasileiro, ao produzir “efeitos profundos [que] perdurarão ainda por muitas gerações”.

Gilmar Mendes também manifestou apoio à decisão de Barroso. Os dois se envolveram em discussões no tribunal, em 2018, com acusações dos dois lados.

“O senhor é a mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”, disse Barroso a Gilmar. “A vida para Vossa Excelência é ofender as pessoas. Qual a sua ideia? Qual sua proposta? Vossa Excelência é uma vergonha, é uma desonra para o tribunal. Vossa Excelência, sozinho, desmoraliza o tribunal. Está sempre atrás de algum interesse que não o da Justiça”, afirmou Barroso na ocasião.

“Não guardo mágoas”, disse Gilmar nesta quinta. “Um grande abraço, seja feliz”.

Flávio Dino escreveu nas redes sociais que o STF perde no plenário o talento de um grande ministro. “Ele continuará a ser uma referência para nós, como um dos mais eruditos, inovadores e produtivos constitucionalistas brasileiros”, completou.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, disse que Barroso foi importante para a defesa da Constituição e da democracia brasileira durante seus 12 anos dentro do Supremo.

“Todos encontramos consolo no fato de que, se perdemos o magistrado, o país continuará a contar com o jurista sempre culto, sempre aberto ao diálogo e sempre em busca do justo e do certo”, afirmou.

O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), destacou o equilíbrio de Barroso na defesa da democracia. “Registro meu reconhecimento pelo seu trabalho e desejo muito sucesso nesta nova caminhada. Fará falta na mais alta Corte do Brasil”, escreveu.

‘Democracia venceu’

Indicado ao STF por Dilma Rousseff em 2013, Barroso assumiu a presidência do Supremo dez anos depois, com discurso em defesa da unidade nacional. “A democracia venceu e precisamos trabalhar pela pacificação do país”, disse em sua posse.

Meses antes, duas declarações dele se tornaram munição do bolsonarismo para questionar a isenção do ministro. Numa delas, em Nova York, o magistrado reagiu a apoiadores do ex-presidente que hostilizavam os integrantes do tribunal.

“Perdeu, mané, não amola”, respondeu Barroso. A frase, proferida menos de um mês depois da derrota eleitoral de Bolsonaro para Lula, virou um mantra do bolsonarismo e acabou pichada por uma manifestante na estátua A Justiça, em frente ao Supremo, durante os ataques de 8 de Janeiro.

Em outro momento, Barroso discursava no 59º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes), em julho de 2023, quando afirmou: “Nós derrotamos o bolsonarismo”.

Barroso foi presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em meio à escalada dos ataques de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas.

Natural de Vassouras, no Rio de Janeiro, ele foi indicado pela então presidente Dilma Rousseff (PT) e passou a integrar o Supremo em junho de 2013, ocupando o lugar vago deixado por Carlos Ayres Britto.

Barroso também tem em seu currículo trajetória acadêmica. É professor titular de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).


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