
Mais de cem famílias de vítimas da ditadura militar puderam receber nesta quarta-feira (8), na Faculdade de Direito da USP, no centro de São Paulo, certidões de óbito corrigidas atestando violência e morte cometidas pelo Estado brasileiro após o golpe de 1964.
Familiares de pessoas cuja certidão já havia sido corrigida pelo Estado também participaram da solenidade, como os parentes de Rubens Paiva, deputado eleito em 1962, sequestrado e morto por militares, e do jornalista Vladimir Herzog.
Em janeiro, Paiva teve a certidão corrigida para constar morte violenta e causada em contexto de perseguição sistemática. Em 1996, a viúva do político, Eunice Paiva, conseguiu na Justiça o reconhecimento de que ele havia desaparecido desde 1971, ano em que morreu sob tortura.
Já Vladimir Herzog foi assassinado em 1975 nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações —Centro de Operações de Defesa Interna) do II Exército, mas os militares divulgaram na época versão oficial de que ele teria cometido suicídio por enforcamento.
A farsa foi desmontada a partir de depoimentos de médicos e testemunhas, e a União foi condenada pela morte do jornalista em 1978. Em 2013, o atestado de óbito de Herzog foi entregue à família constando que a morte, no lugar de causada por enforcamento, derivou de lesões e maus-tratos.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, embora a certidão de Herzog já tivesse mudado em 2013, a nova retificação vai ser menos genérica.
“Naquele momento, a causa da morte passou a constar de forma genérica, com base na Lei nº 9.140/95, que reconhece os mortos e desaparecidos políticos sob responsabilidade do Estado”, informou o ministério por meio da assessoria.
“Agora, a nova retificação traz uma redação mais clara e direta, reconhecendo expressamente que foi uma ‘morte não natural, violenta, causada pelo Estado no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política no regime ditatorial instaurado em 1964′”.
A certidão de Paiva, retificada de maneira açodada em janeiro segundo Eugênia Augusta Fávero, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, agora também vai se adequar melhor ao padrão definido a todas as vítimas, respeitando determinação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A medida é uma das recomendações da CNV (Comissão Nacional da Verdade).
“Esse novo modelo está sendo aplicado a todas as certidões dos mortos e desaparecidos reconhecidos pelo Estado, como uma forma de corrigir definitivamente os registros e reconhecer, de forma mais transparente, a responsabilidade do Estado pelas mortes durante a ditadura“, segundo o ministério dos Direitos Humanos.
Ocorrida no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, essa é a segunda solenidade do tipo promovida pela CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos).
O local ficou lotado com familiares e convidados, que falaram sobre a necessidade da reparação da verdade. Eles fizeram paralelo entre o golpe de 1964 e a tentativa de golpe liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com pedidos contrários a uma anistia dada aos condenados pelo STF (Supremo Tribunal Federal)
A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, chamou a solenidade de “momento de reescrita da nossa história a partir da memória”. Ela afirmou que é importante lembrar o golpe de 1964 para que não volte a se repetir e falou em autoritarismo na gestão Bolsonaro.
Vera Paiva, filha de Rubens Paiva e conselheira do CEMDP, falou sobre a importância do fortalecimento da demanda por pedidos oficiais de desculpas vinda do Estado e da continuidade de ações para preservar a memória e a verdade sobre o passado. “Para que nunca mais aconteça, precisamos que não se esqueça”, afirmou.
Também compareceu seu irmão, Marcelo Rubens Paiva, e Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog.
Na primeira solenidade, ocorrida em agosto, 63 certidões de óbito retificadas estavam aptas a serem concedidas. Dessas, 21 foram efetivamente entregues a familiares que estiveram presentes para recebê-las.
O objetivo é preservar a memória das vítimas e a verdade acerca do período da ditadura militar (1964-1985) no Brasil. Segundo a CNV (Comissão Nacional da Verdade), 434 pessoas foram vítimas do Estado no período de 1946 a 1988.
Segundo historiadores, porém, o dado não contempla o número real de vítimas, que tende a ser bastante superior, uma vez que a própria Comissão reconhece mais de 8.000 mortes de indígenas atreladas ao período.
Veja quais vítimas cujas certidões estão aptas a serem entregues nesta quarta:
- Alex de Paula Xavier Pereira
- Alexander José Ibsen Voerões
- Alexandre Vannucchi Leme
- Ana Maria Nacinovic
- Ana Rosa Kucinski Silva
- André Grabois
- Ângelo Arroyo
- Antônio Benetazzo
- Antônio dos Três Reis de Oliveira
- Antônio Guilherme Ribeiro Ribas
- Antônio Raymundo de Lucena
- Antônio Sérgio de Mattos
- Arno Preis
- Aurora Maria Nascimento Furtado
- Carlos Marighella
- Carlos Nicolau Danielli
- Catarina Helena Abi-Eçab
- Dênis Casemiro
- Devanir José de Carvalho
- Dorival Ferreira
- Edgar de Aquino Duarte
- Eduardo Collen Leite
- Emmanuel Bezerra dos Santos
- Feliciano Eugenio Neto
- Fernando Borges de Paula Ferreira
- Flavio Carvalho Molina
- Francisco Emanuel Penteado
- Francisco José de Oliveira
- Francisco Seiko Okama
- Frederico Eduardo Mayr
- Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão
- Gelson Reicher
- Grenaldo de Jesus Silva
- Helenira Resende de Souza Nazareth
- Heleny Ferreira Telles Guariba
- Hiram de Lima Pereira
- Hirohaki Torigoe
- Iêda Santos Delgado
- Issami Nakamura Okano
- Iuri Xavier Pereira
- Izis Dias de Oliveira
- Jaime Petit da Silva
- João Antônio Santos Abi-Eçab
- João Carlos Cavalcanti Reis
- João Domingos da Silva
- Joaquim Alencar de Seixas
- Joaquim Câmara Ferreira
- José Ferreira de Almeida
- José Guimarães
- José Idésio Brianezi
- José Lavecchia
- José Maria Ferreira de Araújo
- José Maximino de Andrade Netto
- José Milton Barbosa
- José Montenegro de Lima
- José Roberto Arantes de Almeida
- José Roman
- José Wilson Lessa Sabbag
- Lauriberto José Reyes
- Lúcio Petit da Silva
- Luisa Augusta Garlippe
- Luiz Almeida Araújo
- Luiz Eduardo da Rocha Merlino
- Luiz Eurico Tejera Lisbôa
- Luiz Fogaça Balboni
- Luiz Hirata
- Luiz José da Cunha
- Manoel Fiel Filho
- Manoel José Mendes Nunes Abreu
- Manoel José Nurchis
- Manoel Lisbôa de Moura
- Márcio Beck Machado
- Marco Antônio Dias Baptista
- Marcos Antônio Bráz de Carvalho
- Marcos Nonato da Fonseca
- Maria Augusta Thomaz
- Maria Lúcia Petit da Silva
- Miguel Sabat Nuet
- Neide Alves dos Santos
- Nestor Vera
- Norberto Nehring
- Olavo Hanssen
- Onofre Pinto
- Paulo Guerra Tavares
- Paulo Stuart Wright
- Raimundo Eduardo da Silva
- Roberto Cietto
- Roberto Macarini
- Ronaldo Mouth Queiroz
- Rubens Beyrodt Paiva
- Rui Osvaldo Aguiar Pfützenreuter
- Ruy Carlos Vieira Berbert
- Santo Dias da Silva
- Solange Lourenço Gomes
- Sônia Maria de Moraes Angel Jones
- Suely Yumiko Kanayama
- Virgílio Gomes da Silva
- Vitor Carlos Ramos
- Vladimir Herzog
- Walter de Souza Ribeiro
- Yoshitane Fujimori
- Zoé Lucas de Brito Filho
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