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É quase Natal e aterrei em Bangui, a capital da República Centro Africana (RCA). No coração da África, este país francófono ainda anda à procura da estabilidade e da reconciliação nacional, tão importantes como urgentes, para a construção de um Estado de direito.
Tony Neves, em Bangui – RCA
A grande figura da RCA é o Cardeal Dieudonné Nzapalainga, Arcebispo de Bangui. Missionário Espiritano, nasceu em Bangassou (1967), estudou nos Camarões e no Gabão, concluindo a sua Teologia em Paris. Os primeiros anos da sua vida missionária aconteceram em França, onde trabalhou na Obra de Auteuil, com crianças e jovens com vidas em risco.
2012 é o ano do maior desafio da sua vida: foi nomeado Arcebispo de Bangui, num período particularmente violento da história do seu país. Liderou iniciativas muito arriscadas, como a da Plataforma Inter-Religiosa para a Paz, que o fez percorrer um país em guerra civil para, juntamente com o líder muçulmano e o líder protestante, apelar e sensibilizar para a urgência da reconciliação nacional. Estas múltiplas intervenções em contexto de violência extrema dão esperança e futuro a este povo que habita o coração da África e angariaram-lhe o título de ‘Cardeal coragem’. Inspirados nele ou sobre ele, foram escritos livros e feitos filmes. Tem percorrido o mundo a fazer conferências e a dar entrevistas. Tudo – diz ele – em nome da paz.
Visita do Papa Francisco
Um dos momentos mais importantes para a vida das populações centro-africanas foi a inesperada visita do Papa Francisco a Bangui em novembro de 2015. O Papa tomou a decisão de iniciar o Ano Santo da Misericórdia nesta cidade africana, abrindo a Porta Santa da Catedral. E, no ano seguinte, a 9 de outubro de 2016, o Papa surpreendeu o mundo com o anúncio de que o Arcebispo Nzapalainga se tornaria no cardeal mais jovem da Igreja católica.
A República Centro Africana continua a ferro e fogo. Como em todas as guerras, quem sofre é o povo que é morto, torturado, deslocado, abusado. E, claro, a economia é destruída, ficando nas mãos de oportunistas que gerem tráficos de toda a espécie e ganham fortunas à custa da desgraça e da miséria das populações martirizadas. As forças internacionais, enviadas pela ONU e pela União Africana, tentam defender as populações em áreas mais sensíveis, mas não tem sido muito bem-sucedida neste objetivo.
História dos últimos anos
Mas regressemos à história dramática dos últimos anos. Em 2013, surge – como atrás o disse – a Plataforma Inter Religiosa para a Paz. O país estava tomado de assalto por grupos rebeldes, autoproclamados islâmicos. Semearam o pânico, mataram, destruíram. A própria capital ficou dividida em bairros prós e contra. Os três líderes das grandes Comunidades Religiosas na capital, reuniram-se e decidiram avançar juntos para a reconciliação: o Cardeal Dieudonné, o Iman Omar Kobine Layama e o Pastor Nicolas Gbangou. Abriram uma das páginas mais belas da história recente da RCA, apresentada como exemplo para a África e o resto do mundo.
Fizeram inúmeras visitas em todo o país, arriscaram enfrentar estes grupos armados, lançaram iniciativas várias de sensibilização e compromisso pela pacificação, gritaram por apoio à comunidade internacional, amplificando o grito deste povo martirizado por interesses alheios.
Cardeal Nzapalainga, figura-chave
O cardeal Dieudonné, figura-chave da Plataforma, insistiu sempre na importância do trabalhar juntos, apesar das diferenças. Tal opção deu força a esta missão porque gerou confiança no seio das comunidades católicas, islâmicas e protestantes.
Ponto alto da vida deste país – já o referi – foi a visita do Papa Francisco. Disse: ‘Bangui tornou-se hoje a capital espiritual do mundo. O Ano Santo da Misericórdia chega antes a esta terra, uma terra que sofre há diversos anos a guerra, o ódio, a incompreensão, a falta de paz’. A verdade é que as imagens correram o mundo e a RCA passou a constar no mapa dos países a ser apoiados.
Feliz pelo caminho percorrido
Dez anos mais tarde, encontrei o Cardeal Dieudonné feliz pelo caminho percorrido, embora consciente do muito que está por fazer. Quando há tempos o confrontaram com o facto de ele estar num pedestal diante da comunidade internacional, eis a sua resposta: ‘sou pobre, vindo de um país pobre. Não tenho motorista, ninguém me abre e fecha portas, não deixo que a vaidade tome conta de mim. Se eu aceitasse, o governo tinha-me dado carro e guarda costas. Nunca aceitei. Eu fico com o povo. Vêm à minha casa ministros e pobres. Recebo todos. E vou ao encontro de todos, não medindo riscos. Não tenho medo do desafio das periferias. Gosto de lá estar. Como o Papa Francisco dizia, somos Igreja em saída’.
Tony Neves, em Bangui – RCA
Fonte: Vatican News

