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Dom Oriolo: Potencialização da violência humana pela digitalidade – Vatican News


Existe uma outra violência que adquire gravidade atual por envolver todos os aspectos, potencializada pela velocidade de sua propagação e ampliação de sua difusão, bem como pelo anonimato (seja indivíduo ou grupo) e pela incapacidade de ser bloqueada uma vez disseminada: é a violência digital.

Dom Oriolo – Bispo da Igreja Particular de Leopoldina MG

A violência sempre foi uma constante na vida e na história. Já no livro do Gênesis, de maneira poética, os autores javista e eloísta apresentam alguns casos e tipos de violência. Podemos citar a violência entre Caim e Abel, na qual Caim mata Abel por ciúme (cf. Gn 4). Deus destrói as cidades de Sodoma e Gomorra pela maldade e depravação de seus habitantes (cf. Gn 12 e 20). Os irmãos de José vendem-no como escravo a uma caravana de mercadores (cf. Gn 37). Além desses, tantos outros fatos de violência podem ser encontrados no primeiro livro das Sagradas Escrituras.

Contudo, em nossos dias, a violência encontra nas plataformas digitais um novo e vasto campo de atuação. São vários os fatores que ocasionam esse fenômeno. As quatro revoluções industriais: a mecanização com máquinas a vapor; a química e a eletrificação com a produção em massa; a tecnologia digital e a automação; e a convergência tecnológica com integração dos sistemas cibernéticos estão em constante avanço. Pode-se dizer que cada um desses avanços tecnológicos potencializa a natureza do ser humano em termos de violência física, violência psicológica e violência moral.

Além disso, é preciso considerar outra dimensão: a violência do indivíduo humano e da coletividade humana. Quanto à violência individual (ou pessoal), incluem-se sentimentos como a inveja, o orgulho ferido, o ódio, o rancor e a raiva. Quanto à violência social, temos a familiar (parricídio, fratricídio, feminicídio), a grupal (olho por olho, máfia e bandidagem em geral) e a social (ideologia, preconceito, racismo).

No entanto, existe uma outra violência que adquire gravidade atual por envolver todos os aspectos, potencializada pela velocidade de sua propagação e ampliação de sua difusão, bem como pelo anonimato (seja indivíduo ou grupo) e pela incapacidade de ser bloqueada uma vez disseminada: é a violência digital. Essa violência ocorre quando um indivíduo ou grupo utiliza a tecnologia para atacar, intimidar, constranger, perseguir, desrespeitar, controlar, manipular ou caluniar outras pessoas, instituições ou entidades. Neste contexto, as ferramentas digitais, como mensagens, vídeos, códigos, imagens e áudios, são usadas como instrumentos de ataque, comparáveis, em seu poder destrutivo, à violência física ou aos xingamentos proferidos pela força das palavras.

É crucial entender que as manifestações de violência digital não ocorrem de maneira isolada. Pelo contrário, elas são frequentemente fruto da falta de compreensão da realidade e do uso inadequado das plataformas virtuais. Atualmente, essa modalidade de violência tem se expandido rapidamente e atingido diversas áreas da vida da vítima, causando danos profundos que extrapolam o ambiente on-line.

Nesse cenário, é importante notar que, devido à potencialização da violência nas plataformas digitais, ministros ordenados, pessoas de vida religiosa consagrada e leigos cristãos também estão sendo, muitas vezes, vítimas. Eles experimentam a flagelação da maledicência e da calúnia, a coroa de espinhos da injustiça e da ingratidão, ou a pesada cruz do silêncio, no momento em que poderiam se defender, tendo mil argumentos, mas escolhem não responder à violência digital com mais violência.

Existem diversos tipos de violência que indivíduos ou grupos praticam por meio da internet e do mundo digital. A seguir, pretendo elencar e detalhar alguns dos mais comuns no cotidiano: cyberbullying, ciberviolência, sexting, sextorsão, sequestro e estupro virtual, deepfakes gerados por Inteligência Artificial (IA), vídeos falsos, catfishing e perfis falsos e stalking digital (ou perseguição on-line).

O cyberbullying consiste em atacar uma pessoa por meio de difamação, insultos e humilhações, geralmente de forma covarde e traiçoeira, com o agressor escondendo-se atrás da tela. Já a ciberviolência abrange a disseminação de conteúdos na internet que têm como objetivo incentivar ou ensinar a prática de agressão contra outras pessoas, a autoagressão (ferimentos intencionais) ou a adoção de vícios (uso de substâncias, comportamentos destrutivos, etc.). Incluem-se aqui também os deepfakes gerados por Inteligência Artificial (IA), como vídeos falsos, que resultam em grave perda de reputação. Essas violências representam o uso nocivo da tecnologia para causar sofrimento, manipulação e destruição da imagem e da integridade física ou psicológica das vítimas.

Existe uma categoria de violência digital voltada especificamente para o sexo. O sexting refere-se à troca de imagens e mensagens de texto com teor sexual, um ato que, embora possa ser consensual inicialmente, tem o potencial de repercutir negativamente na vida da vítima caso o conteúdo seja vazado. Já a sextorsão consiste em ameaças de divulgar imagens íntimas para forçar alguém a realizar alguma ação, seja por vingança, humilhação ou, mais comumente, para extorsão financeira. Além disso, práticas como o sequestro e o estupro virtual também se enquadram neste grave panorama. Essas modalidades de violência representam uma invasão perversa da intimidade, causando danos psicológicos e sociais duradouros às vítimas.

Existe também o stalking digital, que consiste na exposição de dados pessoais sensíveis da vítima, incluindo endereço, CPF, RG e fotos de familiares, configurando uma invasão grave de privacidade. Outra modalidade é o catfishing e a criação de perfis falsos, em que golpistas utilizam identidades fraudulentas para enganar as vítimas emocionalmente e, posteriormente, aplicar fraudes financeiras. Essas práticas digitais transformam a confiança em vulnerabilidade, expondo a vida privada e o patrimônio das vítimas a riscos calculados e devastadores.

No Brasil, não existe legislação específica para a violência digital resultado de relacionamentos conflitivos. Contudo, há leis que abrangem alguns crimes cibernéticos, como o compartilhamento não autorizado de imagens e a perseguição (stalking), e é por meio delas que tais casos são julgados e punidos. É oportuno lembrar o alerta do Papa Francisco na encíclica Fratelli Tutti. Ele nos adverte quanto à violência verbal e à difamação nas redes sociais. São protagonizadas inclusive por pessoas religiosas e cristãs, demonstrando a grave falha ética cuja consequência é atentar contra a honra e a fama alheias em fóruns digitais. Agir dessa forma ou tolerar a calúnia, mesmo em mídias católicas, compromete diretamente o ideal de fraternidade proposto pelo Pai comum (cf. FT 46). O ambiente digital se transforma, assim, em um espaço de agressão social sem freios, impulsionado pelo anonimato, que destrói reputações e laços comunitários.

A comunidade eclesial deve estar atenta em não se deixar levar pelo espírito mundano. É responsabilidade de todo fiel cultivar uma consciência vigilante, promovendo o uso ético das tecnologias como instrumento de comunhão e não de destruição, para que, à luz da Palavra de Deus e do ensinamento da Igreja, possamos combater essas novas formas de mal com caridade, justiça e oração, construindo um mundo digital que reflita o Reino de paz anunciado por Cristo.


Fonte: Vatican News

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