
Eleições sempre podem trazer surpresas. Mas é provável que o próximo presidente do Chile seja um político de ultradireita: José Antonio Kast. Embora no primeiro turno tenha sido superado pela candidata da coligação de esquerda Unidade pelo Chile, ele tem agora mais chances de crescer, somando os votos de dois outros candidatos direitistas, do que sua adversária comunista Jeanette Jara.
A possível vitória de Kast vem sendo interpretada de duas maneiras. A primeira prevê que ela selará uma virada histórica à direita na América do Sul, antecipada pela eleição de Bolsonaro em 2018 e seguida pelas vitórias de Javier Milei, na Argentina, em 2023, de Daniel Noboa, no Equador, e de Rodrigo Paz, na Bolívia, ambas em 2025.
Assim, estaríamos em face de um novo ciclo político na região, semelhante —mas de sinal contrário— à longa “onda rosa” que nas primeiras décadas do século multiplicou governos de esquerda moderada.
A segunda maneira de ver o êxito do ultradireitista chileno é como reprise de um padrão de comportamento de um eleitorado frustrado. Convocado a votar, pune sistematicamente o incumbente, preferindo quem lhe faz oposição, à direita ou à esquerda. Dessa forma, se onda existe, não tem cor política; é contra o governo de turno, seja qual for sua orientação.
Em dezembro saberemos em que direção sopram os ventos da política no Chile. Mas será preciso muito mais tempo para confirmar qual das duas interpretações acima se sustenta.
Mas há algo que desde já se pode dizer debulhando as urnas chilenas: trata-se da importante metamorfose nas forças políticas em disputa, se não em toda a América do Sul, pelo menos em três de suas mais robustas democracias. A mudança diz respeito, de um lado, à perda de importância eleitoral dos partidos de centro; de outro, à ascensão, no campo da direita, de líderes e organizações mais extremados.
No Chile, esse fenômeno se expressa na decadência das três agremiações centristas que formaram a coalizão responsável por organizar a transição da tirania pinochetista à democracia e por se alternar no Palácio de la Moneda entre 1990 e 2018: o Partido Democrata Cristão e as duas legendas da esquerda moderada —o Partido Socialista (PS) e o Partido Pela Democracia (PPD). E, sobretudo, pela desidratação da direita tradicional e pela fragmentação do campo que permitiu que o populista Kast passasse para o segundo turno.
Na Argentina, a longeva União Cívica Radical, que liderou a oposição ao peronismo e encabeçou o primeiro governo civil, quando a democracia foi restaurada, em 1983, perdeu força. Tornou-se sócia menor no âmbito de coligações antiperonistas de centro-direita. Finalmente, sua candidata à Casa Rosada em 2023 é hoje ministra de Javier Milei.
No Brasil, a história é conhecida. Passa pela irresistível decadência do PSDB, a união das direitas em torno de Bolsonaro e a atual fragmentação das candidaturas conservadoras que disputam o espólio político do ex-presidente golpista.
A relação da nova ultradireita sul-americana com a democracia representativa é ainda uma incógnita. Bolsonaro tratou de destruí-la; Milei procura abastardá-la. De toda forma, a decadência do centro e a força do populismo extremado prenunciam tempos difíceis.
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