
(FOLHAPRESS) – Um juiz do Tribunal de Justiça paulista considerou, em outubro deste ano, que o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) descumpriu uma liminar ao praticar atos administrativos para ceder parte de uma área de pesquisa à Prefeitura de Itapetininga, a 143 km da capital, para a construção de um aeroporto.
A liminar em questão é de outubro de 2022, ainda na gestão Rodrigo Garcia (à época, PSDB). A tutela de urgência impedia o estado de “dar seguimento a quaisquer atos e processos, preparatórios, auxiliares ou específicos, para concessão, permissão ou alienação” em 37 unidades mencionadas no processo, todas no interior paulista.
As áreas que receberam proteção incluem as de florestas e estações experimentais, como as das cidades de Itapeva e de Jaú. Elas são destinadas à pesquisa científica sobre espécies florestais nativas e viveiros de mudas.
Na nova decisão, o juiz Kenichi Koyama, 15ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinou a expedição de uma ordem judicial indicando que, caso houver novo desrespeito à tutela, haverá sanções como aplicação de multa e responsabilização individual dos gestores públicos envolvidos.
A Folha procurou a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil) para comentar o caso. A pasta repassou o pedido à Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que respondeu que ainda não havia sido intimada da decisão.
A Prefeitura de Itapetininga deu a mesma resposta.
Entre as unidades incluídas na ação está a Estação Experimental de Itapetininga, que conta com plantios experimentais e comerciais de Pinus elliottii, uma espécie de pinheiro. Dos 6.706 hectares da estação, cerca de 3.680 hectares são de áreas plantadas e o restante está destinado à área de preservação permanente (APP) e reserva legal, segundo a ficha da estação.
A ação civil pública movida pelo Ministério Público teve início em 2017. Nela, a instituição pediu a reparação integral do estado a danos ambientais causados nessas áreas pelo plantio de espécies de pinheiros e eucaliptos e a exploração madeireira. A Promotoria definiu a postura do estado nas unidades como exploratória e empresarial florestal.
Na decisão do mês passado que reconhecia o descumprimento da tutela de urgência, o juiz refutou o argumento do estado de que a cessão do espaço a um ente público não estaria restrito pela tutela. Ele afirmou que qualquer cessão ou doação de bem público consiste em alienação, o que foi proibido pela liminar de 2022. “Certo é que a interpretação administrativa adotada pelo Estado é inadmissível e revela inequívoco descumprimento da tutela concedida.”
Com a decisão mais recente, o estado também ficou proibido de retirar a vegetação nativa e de plantar pinheiro ou eucalipto na área. Além disso, foram intimados a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo, Natália Resende, e o diretor da Fundação Florestal, Rodrigo Levkovicz. A fundação é responsável pelas unidades vinculadas ao processo.
A Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), que acompanha o caso como amicus curiae (amigo da corte), notou que o aeroporto de Itapetininga tomaria parte da estação por meio da propaganda política feita pela própria prefeitura.
Em agosto deste ano, o prefeito do município, Jeferson Rodrigo Brun (Republicanos), publicou um vídeo no Instagram com o secretário de agricultura do estado, Guilherme Piai, para anunciar que o governo doaria o terreno para construção do aeroporto da cidade.
“Depois da autorização do governador Tarcísio, nós começamos um trabalho técnico pelo Itesp [Instituto de Terras do Estado de São Paulo], terminamos o georreferenciamento, o laudo de avaliação, nota técnica, e o trabalho está concluído e a gente vem entregar hoje para o prefeito uma área de quase cem hectares”, afirma Piai no vídeo. O secretário, em seguida, agradece à Fundação Florestal e disse que faltava aprovação da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
Ao se manifestar nos autos do processo, o estado de São Paulo afirmou que, a pedido da Prefeitura de Itapetininga, houve a análise de uma área de 69 hectares no interior da estação. Parte da área estudada tem em seu entorno uma APP.
Documento assinado pelo procurador do estado Pedro Oliveira Mathias, no fim de setembro, argumentou que o município solicitou uma “gleba ínfima”, mas que não houve decisão sobre sua transferência, o que demandaria outras etapas, inclusive análise técnica.
Mas o juiz considerou a análise técnica detalhada do terreno com drone e georreferenciamento, feita em julho de 2024 pela Fundação Florestal, bem como a declaração expressa da diretoria da fundação afirmando que a cessão é viável e de interesse público como atos administrativos concretos para destinar parte da estação ao município.
Agravou o caso o plantio de pinheiros que o estado realizou na estação em 2021 e 2024, segundo o juiz, o que indicou a permanência da política de exploração madeireira e plantação de espécies exóticas.
A Estação Experimental de Itapetininga está dentro do bioma cerrado, do qual restam 3% no estado. Apenas 0,1% dessa área está protegida por unidades de conservação de proteção integral, destacou o magistrado citando o Inventário Florestal do Estado de São Paulo.
A advogada Helena Goldman, da APqC, afirmou que não há oposição à construção do aeroporto. “Ninguém tem nada contra fazer ou não fazer o aeroporto, mas tem tantas áreas para se construir um aeroporto. Vai usar uma estação experimental onde tem vegetação nativa? O que nós entendemos é que aquilo é um espaço vocacionado para pesquisa e conservação e que deveria ser preservado.”
Fonte: Notícias ao Minuto




