
O Senado aprovou e está no Palácio do Planalto, à espera da sanção de Lula, o projeto de lei que veda “a realização de descontos, nos benefícios pagos pelo INSS, referentes a mensalidades, contribuições ou quaisquer outros valores destinados a associações, sindicatos, entidades de classe ou organizações de aposentados e pensionistas, ainda que com a autorização expressa do beneficiário”. Depois da exposição das roubalheiras que uma dúzia de entidades praticavam contra os aposentados, isso era pedra cantada. Mesmo assim, o comissariado petista defende que esse artigo seja vetado pelo presidente Lula. Ele já foi conhecido como Lula, o metalúrgico.
Seguir essa questão é uma visita ao mundo das prebendas nacionais. No final do século passado, ao tempo do metalúrgico, Lula era outro. Opunha-se à cobrança de um dia de trabalho dos cidadãos, sob o nome de Imposto Sindical. Há meio século dizia coisas assim:
“O Estado de Direito para o trabalhador vai muito além de coisas genéricas como liberdade de imprensa e habeas corpus. Eles precisam ter autonomia e liberdade sindical.”
Liberdade sindical significava quebrar o dispositivo legal que obriga uma categoria a ter um só sindicato num município. Em 1979, encarnando um novo tipo de sindicalista, Lula dizia:
“Eu acho que o imposto sindical acomodou muito o sindicalismo no Brasil. E a verdadeira fonte de recursos do sindicato deve ser mesmo a categoria. O trabalhador deveria pagar o fundo de greve do seu sindicato com a mesma pontualidade [com] que paga o seu seguro de vida.”
Passou o tempo, Lula criou o Partido dos Trabalhadores, por três vezes elegeu-se presidente da República e esqueceu suas falas. O imposto sindical foi extinto em 2017, durante o governo de Michel Temer. Onze mil sindicatos de trabalhadores e patrões perderam uma fonte de financiamento compulsório que estava em R$ 3,5 bilhões anuais.
Extinta a prebenda, os interesses estabelecidos foram à luta. Alguns deram-se ao crime, roubando os aposentados. Outros, mais refinados, vieram com a ideia de contribuição sindical. Considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ela cobra algo como o falecido imposto aos trabalhadores, sindicalizados ou não. A gracinha estima que se paga por serviços prestados. Havendo serviço, seria razoável a cobrança, mas ganha um fim de semana em Caracas quem acredita que metade dos sindicatos prestam qualquer serviço que mereça remuneração.
Defendendo o veto de Lula, o senador Jaques Wagner argumenta: “Quero chamar a atenção, como sindicalista que fui, que não podemos condenar todos pelos erros de alguns. Há entidades verdadeiras e as de fachada, para roubar aposentados”. O doutor militou com louvor no sindicalismo dos petroleiros, mas atira joio ao trigo.
A roubalheira contra os aposentados é apenas um detalhe no grande painel do financiamento de sindicatos de trabalhadores e patrões. Os temas tratados por Lula há 50 anos continuam na mesa, mas o presidente petista não quer ouvir falar naquele metalúrgico barbudo. (A barba do século 20 era cerrada e negra.)
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