
Em sua passagem pela COP30 em Belém (PA), na última terça-feira (11), o ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), Waldez Góes (PDT-AP), disse que é preciso “industrializar a Amazônia” ao ser indagado sobre apuração da Folha que mostrou que mais de 1.600 máquinas pesadas foram entregues na região por meio de emendas parlamentares desde 2015.
Góes também defendeu a transferência do programa Calha Norte, tradicional projeto militar existente há 40 anos nos estados da Amazônia Legal, do ministério da Defesa para a pasta que ele comanda, mudança realizada em 2025.
Os principais distribuidores de maquinário pesado na região amazônica são exatamente o Calha Norte e a estatal Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), vinculada ao MIDR, que tiveram suas finalidades históricas desvirtuadas nos últimos anos para se tornarem os emendodutos preferenciais dos congressistas brasileiros. O MIDR é o terceiro colocado no ranking das entregas de máquinas desde 2015.
Para o Góes, o principal problema ambiental da Amazônia é a falta de saneamento básico.
Leia os principais trechos da entrevista à Folha:
O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional passou a ser responsável neste ano pelo programa Calha Norte, que era um projeto tradicional da área militar na Amazônia. O ministério está preparado para abarcar o programa nessa região tão sensível para o país?
Como o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional tem a responsabilidade com a política de ordenamento territorial, desenvolvimento de fronteiras, então tem uma relação direta com o que eram majoritariamente as ações do Calha Norte.
Então, mesmo que o Calha Norte estivesse vinculado ao Ministério da Defesa, 90% do que realizava nos estados tinha relação com infraestrutura de desenvolvimento regional.
Foi uma decisão de governo, do presidente Lula, do ministro Mucio [José Mucio Monteiro, ministro da Defesa], da minha equipe, da Gestão, a ministra Esther [Esther Dweck, ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos] participou. Então, foi um colegiado de ministros que entendeu que a identidade do programa estava relacionada majoritariamente com o Desenvolvimento Regional.
Todo o passivo contratual, até porque eu não recebi servidor, ele continua sendo executado pelo Ministério da Defesa para encerrar todos os contratos lá. Os contratos novos, [serão] todos com a gente, inclusive tem recursos já destinados pelos parlamentares.
A Folha apurou que desde 2015 menos de 1% dos valores das emendas parlamentares foram destinadas a ações de meio ambiente, e no mesmo período as emendas subsidiaram a distribuição de mais de 1.600 máquinas pesadas na região da Amazônia Legal, principalmente por meio do programa Calha Norte e da Codevasf. O que o ministério está fazendo para que essas máquinas não sejam utilizadas com desvio de finalidade e até contribuam para o desmatamento?
Eu sempre digo que, no geral, as pessoas conhecem pouco as iniciativas governamentais, privadas e sociais da Amazônia, que tem muitas, e acabam enxergando com muita recorrência o garimpo ilegal, a pesca ilegal, o desmatamento ilegal, que também ocorrem, mas não é majoritariamente.
A Amazônia está cheia de boas práticas, isso também em relação à inovação em tecnologia, equipamentos. Você imagina a Amazônia sem pesquisa, sem tecnologia, sem inovação? Nós vamos passar mais um século sendo fornecedor de matéria-prima para a indústria paulista ou para a indústria internacional?
Então, a gente tem que romper essas lacunas. Como é que se rompe? Nós precisamos industrializar a Amazônia. A gente precisa inovar a Amazônia. A gente precisa de tecnologia. Então, essa é a lógica.
O senhor avalia que o maquinário distribuído por meio das emendas hoje é necessário para essa industrialização?
Ele é essencial. Lá no passado, sob uma lógica de ocupação da Amazônia ou de reforma agrária, fizeram loteamentos, são centenas de quilômetros.
As pessoas que se virem para chegar com aluno na escola, que se virem para chegar uma energia lá, uma internet? E aí a ponte quebra, o prefeito não tem condições de fazer o ramal. Então eu estou olhando a política pública. Você aparelhar os municípios, aparelhar a sociedade para melhorar a condição de vida na Amazônia.
Teve um prefeito que cometeu um erro, puna esse prefeito. Teve uma entidade que cometeu um erro, puna essa entidade. Agora, eu não posso partir da lógica que um prefeito usou uma máquina de forma indevida para acabar com a política pública que nunca aconteceu.
Eu sou de um estado [Amapá] que tem 96% da cobertura vegetal preservada. Fui governador quatro vezes. Então, eu fui responsável ambientalmente. Mas só eu fui? Não, os outros também foram. A iniciativa privada também é. E a população tradicional também é. É a nossa cultura. Então, nós temos o direito de ter tecnologia para esse povo produzir e para as prefeituras trabalharem.
O jornal também mostrou uma situação de emendas usadas para comprar máquinas pesadas que foram utilizadas pelo então prefeito do município acreano de Porto Walter para abrir uma estrada cujas obras tiveram desmatamento ilegal e invasão de território indígena. Como o senhor vê esse risco?
Desencontros com um prefeito que faz uma prática indevida vem daqui e de qualquer estado do Brasil. Então, para isso existem os órgãos de controle. Tem o ministério que deve controlar, tem o Ministério Público, o Tribunal de Contas, o Ministério Público Federal, tem os órgãos até de polícia.
Nós não podemos partir da lógica do erro para continuar não fazendo a política pública de inovação na Amazônia, de introduzir tecnologias na Amazônia.
Não dá para cobrar do amazônida, que continua no rodo, que continua no machado, que continua no terçado, que continua na foice, que os números da desigualdade amazônida mudem. E até que ele cuide melhor da floresta, porque ele tem cuidado, quando ninguém se responsabiliza.
As emendas parlamentares também estão levando muitos recursos para pavimentação de vias na Amazônia e entidades ambientalistas alertam para o risco de as estradas se tornarem vetores de devastação na região. Como o sr. vê essa situação?
Até onde eu sei, nenhuma obra pode ser feita sem o devido licenciamento. O licenciamento é feito com base nos instrumentos legais que existem, na legislação ambiental que existe.
Então se uma estrada, uma vicinal, uma estrada interestadual ou intermunicipal for pavimentada, foi a partir de um projeto que foi apresentado, de uma legislação que foi cumprida.
E aí, se se fez isso, não vejo porque a gente não tem o mesmo direito que outras regiões do país têm. Só porque a gente é Amazônia? As distâncias são gigantes. É muito difícil. Na verdade, nem tem dinheiro para pavimentar todas as estradas que existem na Amazônia.
A seu ver, qual é o maior problema ambiental da região amazônica?
O maior problema ambiental da Amazônia é saneamento básico. Os nossos indicadores de saneamento básico são desafiadores. E o custo também para assim o fazer, seja a água, seja o tratamento do esgoto sanitário, seja o resíduo sólido, é muito alto.
Então é preciso que a comunidade nacional e internacional olhe para a Amazônia, quando discute a questão ambiental, não só em relação ao rio e à floresta, mas o que o saneamento básico, ou a falta dele, é capaz de provocar, tanto no rio quanto na floresta.
Raio-X | Waldez Góes, 64
Ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Antonio Waldez Góes da Silva é natural de Gurupá (PA). Foi governador do estado do Amapá por quatro mandatos, de 2003 a 2010 e de 2015 a 2022. Começou na vida política em 1989, quando se filiou ao PDT. É técnico agrícola formado na Escola Agrotécnica Federal de Castanhal (PA) e funcionário público de carreira como extensionista rural
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