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Opinião – Demétrio Magnoli: Caçada aos Haule

O termo nasceu entre os surfistas do Havaí: Haule era o surfista forasteiro, invasor da minha praia. Na política democrática, o que importa são valores e programas: o destino da viagem. Na política identitária, pelo contrário, o que importa é a origem remota do indivíduo: seu “sangue”, sua “linhagem” ou “raça”, não o lugar para onde ele se dirige.

Ancestralidade, eis a palavra. J.D. Vance sugere que os “verdadeiros americanos” são aqueles cujos ancestrais estavam nos EUA durante a Guerra Civil. O nativismo é uma marca comum aos identitarismos de direita e esquerda.

Viktor Orbán sustenta sua xenofobia com base no mito da “Grande Substituição”: a suposta conspiração “globalista” para inundar a Europa de imigrantes. A esquerda identitária promove a ideia do Estado único na Palestina por meio da descrição de Israel como implantação colonial europeia destinada a extirpar o “povo originário”.

Nativismo, mas não só. O identitarismo de direita distingue-se de sua versão de esquerda por um segundo elemento fundante: o cristianismo. Nos EUA, o livro sagrado do Maga, movimento de Trump, é o Novo Testamento, não a Constituição. Os juízes conservadores da Corte Suprema orientam-se pela doutrina originalista, ou seja, pelo significado literal do texto constitucional na hora em que foi escrito. Como se portarão nos julgamentos cruciais das sistemáticas violações da lei cometidas pela Casa Branca?

O cristianismo, no caso, não é a aderência genérica expressa pelo batismo, mas a noção de que a vida social deve ser regida pela “lei de Deus”. Michelle Bolsonaro vocaliza essa meta reacionária na política brasileira: são Haule os “desviantes” sobre orientação sexual, o tema do aborto ou o lugar da mulher e da família.

A deriva cristã fundamentalista traz de volta o antissemitismo clássico. A Heritage Foundation pressiona Trump a conceder a Medalha Presidencial da Liberdade a Pat Buchanan, um notório republicano isolacionista e antissemita que atribui a Churchill, não Hitler, a culpa pela Segunda Guerra Mundial. Tucker Carlson, arauto do Maga, discursou no funeral de Charlie Kirk e comparou-o a Cristo, “vitimado por um bando de caras comendo homus”, numa referência pouco cifrada aos judeus.

Os judeus “sem pátria”, “globalistas” ou “imperialistas”, são o Haule icônico. Pela direita, a fonte do antissemitismo é a acusação de que os judeus mataram Cristo. Pela esquerda, a narrativa conspiratória que associa os judeus às finanças mundiais. Os dois lados encontram-se na tese segundo a qual os judeus exercem poder hegemônico nos EUA por meio do controle do “Estado profundo”.

A política identitária tende à entropia. Na esquerda: o conflito entre feministas e ativistas trans sobre a definição do sexo feminino ou a contestação dos “coloristas”, os “pretos de verdade”, ao racialismo oficial brasileiro que distribui cotas a “meio-brancos”. Na direita: a radicalização do nativismo até a produção de “pátrias locais”. O prefeito de Florianópolis deporta migrantes pobres na rodoviária. O governador de Santa Catarina apoia a invenção da fronteira interna e ensaia a criação de um simbólico “passaporte estadual”, enquanto deputadas bolsonaristas do estado protestam contra a pré-candidatura do Haule Carlos Bolsonaro.

Os Haule que se cuidem. A temporada de caça atinge seu ápice.

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