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Opinião – Deborah Bizarria: Fundo global pode fazer desmatamento doer no bolso dos governos

Na COP 30, organizações pressionaram a Alemanha a assumir uma cota no novo fundo global de florestas, o Tropical Forests Forever Facility. Berlim declarou apoio, mas ainda não cravou valores, enquanto os anúncios iniciais somam pouco mais de U$ 5,5 bilhões, com a Noruega na dianteira. Florestas tropicais regulam chuvas que alimentam hidrelétricas e lavouras, amortecem calor e estabilizam cadeias produtivas. Sem floresta, a produção encarece, a volatilidade aumenta e a população fica mais exposta a extremos climáticos. Como transformar conservação em receita previsível?

Por vezes, políticas de conservação deixam a desejar porque operam com promessas vagas e verificação frouxa. O TFFF transforma conservação em receita recorrente, verificável e comparável entre países. O Banco Mundial atuaria como gestor, captando recursos públicos, filantrópicos e privados em fundo vedado a fósseis. Os ativos precisam render acima do custo da dívida; o excedente vira pagamento anual por hectare conservado. A ambição é operar com U$ 125 bilhões sob gestão. O valor de referência começa em U$ 4,00 por hectare por ano.

Verifica-se por satélite o que ficou de pé, depois se paga. Há condicionalidades: manter o desmatamento abaixo de limites acordados e em trajetória de queda, publicar dados e destinar vinte por cento dos recursos a iniciativas com povos indígenas e comunidades tradicionais. Os países são os beneficiários e a execução deve prever repasses subnacionais para fiscalização, regularização fundiária e alternativas produtivas. Esses elementos respondem a problemas de mecanismos anteriores: morosidade, verificação frágil e ausência de consequência automática.

Essa arquitetura dialoga com Elinor Ostrom, Nobel de Economia de 2009. Em vez de comando único, o TFFF adota arranjo policêntrico: define regras e métricas globais, mas deixa execução, monitoramento e distribuição em camadas locais.

Na prática, isso opera por quatro mecanismos. Primeiro, verificação independente combina satélite com dados locais, cumprindo a função de observação mútua para reduzir oportunismo. Segundo, contratos de performance com penalidade automática representam sanções graduais e previsíveis. Terceiro, a destinação obrigatória de recursos a comunidades tradicionais transforma beneficiários em fiscais do cumprimento das regras. Quarto, gestão fiduciária multilateral equaliza poder entre governos, doadores e sociedade civil, impedindo captura política.

Contudo, o coração do desenho é comportamental. Como mostraram Daniel Kahneman e Amos Tversky, perdas pesam mais do que ganhos equivalentes. O TFFF transforma “receber pela conservação” no status quo e acopla penalidade automática ao desmate: paga-se U$ 4,00 por hectare conservado, mas se o monitoramento detectar um hectare desmatado, desconta-se o equivalente a 100 hectares do total elegível. Quem perde um hectare perde o pagamento de cem. O ganho marginal do desmate é dominado por perda maior no caixa. Ou seja, o mecanismo usa a aversão à perda como disciplina orçamentária.

Para estados e municípios, um fluxo previsível permite planejar fiscalização, regularização e alternativas produtivas, em vez de viver de editais erráticos. Para a União, comparabilidade gera reputação e aprendizado entre pares, e a gestão fiduciária reduz a tentação de afrouxar regras quando metas estouram. O arranjo também precisa olhar para vazamentos: quando a política aperta em um bioma, a pressão pode migrar para outro.

O fundo é um avanço, mas não resolve sozinho o dilema econômico da floresta. Transformar conservação em receita recorrente é necessário, porém insuficiente. Sem uma economia verde que gere renda e substitua atividades predatórias, os incentivos orçamentários acabam corroídos pela necessidade de sobrevivência local. Regras formais funcionam quando dialogam com capacidade local de adaptação. O TFFF ajuda a criar previsibilidade e reputação, ancorando pagamento estável pela floresta em pé. Mas, para funcionar, precisa ser acoplado a uma estratégia de desenvolvimento que trate a floresta como infraestrutura produtiva e o trabalho local como parte da solução.

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