
Estados governados por todos os espectros ideológicos enfrentam cenário problemático em tema que promete ser central nas eleições de 2026: a segurança pública. A área se tornou alvo de embates políticos após a megaoperação que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro.
Unidades da federação sob comando da esquerda, direita e centro integram tanto a lista de locais com mais mortes violentas como a de pior competitividade no pilar de segurança, de acordo com classificações recentes.
A violência costuma ser identificada em pesquisas como uma das principais preocupações dos eleitores.
Para especialistas, a Operação Contenção adiantou a necessidade de posicionamento da direita e da esquerda no tema.
Após a ação, governadores de direita atacaram a atuação de Lula (PT) no tema e reeditaram uma tentativa de união que não havia decolado quando a pauta era a anistia a Jair Bolsonaro (PL). Já o governo acusou a oposição de fazer uso eleitoreiro da ação e, após uma semana sem condenação enfática ao ocorrido, o presidente falou em “matança” e operação “desastrosa”.
Para os especialistas, nenhum espectro ideológico tem feito o que deveria ao tratar do assunto.
Dos dez estados com os piores índices de segurança pública no Ranking de Competitividade dos Estados de 2025, do CLP (Centro de Liderança Pública), quatro são governados por políticos de esquerda, quatro por siglas de centro e dois por legendas de direita.
A classificação quanto ao espectro ideológico foi feita segundo o GPS partidário da Folha. O levantamento considerou, no caso do Tocantins, o Republicanos de Wanderlei Barbosa, afastado em setembro, e, no caso do Maranhão, o PSB ao qual Carlos Brandão estava filiado até setembro —atualmente ele está sem partido.
A classificação do CLP leva em consideração vários indicadores, como segurança pessoal, patrimonial e mortes a esclarecer. Ela usa como base os dados completos mais recentes de órgãos como o DataSUS, do Ministério da Saúde, e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Quanto à região geográfica, três estados com os piores índices ficam no Norte, quatro no Nordeste, dois no Centro-Oeste e um no Sudeste.
Os três piores são, nesta ordem, Amapá, governado por Clécio Luis (Solidariedade), Roraima, cujo governador é Antonio Denarium (PP), e a Bahia, do petista Jerônimo Rodrigues.
No caso das mortes violentas intencionais, a classificação leva em conta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025, que contém dados do ano anterior.
Nesse quesito, as dez piores posições se distribuem de maneira quase homogênea entre os espectros políticos: quatro no centro, três na esquerda e três na direita. A taxa considera componentes como latrocínio, mortes por intervenção policial e homicídios dolosos.
Os casos se concentram no Nordeste, com cinco ocorrências, e no Norte, com quatro. A outra região representada é o Centro-Oeste, com Mato Grosso, do governador Mauro Mendes (União Brasil).
Liderando os dois levantamentos, o Amapá de Clécio Luis —cujo partido, o Solidariedade, é classificado pelo GPS como de centro— enfrenta desafio com roubos, violência sexual e denúncia de tortura em presídio feita pela Defensoria Pública. A taxa de mortes violentas intencionais é de 45,1 por 100 mil habitantes, mais que o dobro da nacional, que fica em 20,8.
Clécio foi eleito em coligação que reuniu partidos que foram do PDT ao PL do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele se apresenta como sendo de centro-esquerda e, nas redes sociais, tece elogios ao presidente Lula (PT), ao ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), e a Randolfe Rodrigues, senador pelo Amapá e líder do governo no Congresso.
Já a Bahia ocupa a liderança em números absolutos de mortes pela polícia, com uma de cada quatro mortes violentas causadas por agentes do Estado. O confronto entre facções piora o indicador da região, que pode funcionar de vidraça para o PT e a esquerda no debate eleitoral sobre segurança.
Logo após a Operação Contenção no Rio, Jerônimo foi alvo de críticas de Ronaldo Caiado (União Brasil), governador de Goiás, que se somou a outros políticos de direita para articular ações de combate ao crime organizado. Lembrando que a Bahia é campeã nos índices de violência policial, Caiado associou governos de esquerda a posturas lenientes com o crime.
Depois disso, Jerônimo defendeu a PEC da segurança pública do governo Lula e criticou o que seriam “interesses políticos menores” no debate sobre segurança.
Um representante da direita com piores índices de violência é Mato Grosso, de Mauro Mendes (União Brasil). Segundo o ranking do CLP, o estado enfrenta altas taxas de feminicídio, violência sexual e mortes no trânsito, além de elevada proporção de presos sem condenação.
Mendes se somou aos políticos de direita que parabenizaram Castro pela ação da última semana. Ele chamou as facções criminosas de terroristas e disse que o Congresso precisa “endurecer as leis para dar um freio nisso [violência]”. O Rio de Janeiro fica em 15º lugar na taxa de mortes violentas e em 13º entre os estados com piores índices de segurança.
Para Rafael Alcadipani da Silveira, professor de segurança pública da EAESP-FGV, Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, todos os espectros políticos têm apresentado propostas falhas para combater a violência.
“Tipicamente a segurança pública é uma agenda completamente negligenciada pela esquerda, que deixa a polícia pensar a política [de segurança], enquanto a direita tem uma visão do tipo ‘tiro, porrada e bomba’”.
Para ele, ambas as perspectivas são inadequadas, e os governantes precisam apresentar propostas com base em estudos e evidências científicas. Silveira afirma que os rankings de segurança apontam para uma concentração do problema no Norte e Nordeste em razão de desigualdades sociais e econômicas.
Segundo Pedro Trippi, coordenador de inteligência do CLP, a violência é um desafio que perpassa toda as ideologias. Ele fala da necessidade de um policiamento orientado por dados e de ações que fiquem acima de questões político-partidárias.
“O político pode ter a visão ideológica dele, A ou B, mas eu diria que todos os 27 governadores do Brasil têm desafios. O desafio nacional vai além de questões ideológicas e deve ser encarado com pragmatismo.”
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