
Lily Allen lançou nesta semana o álbum West End Girl e reacendeu o interesse público pelo fim de seu casamento com o ator David Harbour, tema central da obra. O fascínio não está apenas no nome da artista, mas no modo como ela costura experiência pessoal e ficção, sem prometer literalidade, mas deixando transparecer um lastro biográfico que o público reconhece. Diante disso, me perguntei o que as evidências mostram sobre por que as pessoas traem e como outras formas de desonestidade entram no mesmo circuito de racionalização e segredo. Nenhuma explicação justifica romper um acordo, mas vale refletir sobre como fatores sociais e psicológicos criam o terreno em que a infidelidade floresce.
Uma hipótese recorrente no caso é a falta de apoio do parceiro à carreira da cantora. Para testar se a desigualdade material e financeira se relaciona com infidelidade, Christin Munsch analisou painéis de casais norte-americanos e estimou a probabilidade de trair conforme a parcela de renda de cada cônjuge. Entre homens, a dependência econômica eleva o risco: quando a renda é semelhante à da parceira, a probabilidade prevista fica em 3–4%, mas chega a cerca de 15% quando ele depende integralmente da renda dela. Entre as mulheres, o padrão se mantém: ser a principal provedora associa-se a menor probabilidade, em torno de 1,5%, enquanto a dependência total se liga a algo próximo de 5%. O resultado indica que expectativas de gênero e posição de provedor modulam esse risco.
No dinheiro do dia a dia, Scott Rick e colegas estudaram a infidelidade financeira, definida como fazer algo com o próprio dinheiro que se imagina que o parceiro desaprovava e esconder. Criaram uma escala de 12 itens e a testaram em 12 estudos. Quem pontua mais alto tende a buscar sigilo: paga em dinheiro ou no cartão pessoal em vez do conjunto, escolhe embalagens discretas e evita lojas que revelam a compra. Em um experimento, os participantes podiam escolher um prêmio pessoal (massagem de 75 minutos) ou para o casal (duas de 30) e, depois, como guardar o voucher. Pontuações mais altas anteciparam maior escolha do prêmio individual e, entre esses, maior uso de envelope sem identificação. Em dados reais de um app para casais, 1.169 usuários com 9.010 contas podiam torná-las totalmente visíveis, mostrar só o saldo ou deixá-las privadas. Pontuação mais alta associaram-se a “só saldo” ou “apenas o dono vê”, mesmo controlando características financeiras.
A escala antecipa comportamento. Sinais de sigilo recorrente, preferência por meios menos rastreáveis e configurações opacas indicam desgaste de confiança e conflitos evitados, não resolvidos. Regras claras ajudam: limites de gasto individual, categorias que exigem aviso prévio, revisão periódica de extratos, combinadas com espaço de individualidade, como mesadas simétricas. Em casais com assimetria de renda, explicitar o que é despesa do casal e o que é despesa individual reduz a tentação do segredo. Claro que em contextos de risco, como violência doméstica, contas privadas podem ser ferramenta de proteção.
Além da renda, o ambiente importa. Charlene Lalasz e Daniel Weigel mostraram que expor pessoas comprometidas a relatos de adultério aumenta o interesse por parceiros alternativos em comparação a confissões de fraude acadêmica e reduz o comprometimento quando a prevalência percebida de infidelidade é alta. Quando o entorno legitima a traição, cresce a justificativa para baixar a guarda e seguir o impulso de curto prazo.
Logo, a desigualdade e status dentro do casal cria terreno fértil para a violação do acordo, o sigilo financeiro transforma atrito em mentira recorrente e normas permissivas no entorno reduzem o freio interno. O álbum de Lily Allen funciona como gatilho para encarar o tema: em vez de investigar quem fez o quê, vale discutir como redes de apoio, regras de transparência e expectativas de gênero moldam o risco de traição. Casais podem reduzir a tentação do segredo com critérios simples e simétricos de comunicação e autonomia. Se quisermos menos ruptura e menos ressentimento, precisamos falar de dinheiro, poder e normas antes do próximo álbum motivado por términos.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
Veja mais em Folha de S. Paulo



