
Com a eleição se aproximando, cresce a disputa por votos segmentados. A narrativa comum entre analistas e estrategistas é a de que os evangélicos formam um grupo heterogêneo, difícil de enquadrar politicamente. Afinal, se não são um bloco, é possível disputar esses votos, certo? Contudo, os dados indicam o oposto: a diversidade social na atual conjuntura não se traduz em diversidade eleitoral. As pesquisas apontam consenso entre evangélicos em torno de valores ligados à família, gênero e sexualidade. Esses temas funcionam como marcadores identitários e orientam o voto.
Segundo o Estudo Eleitoral Brasileiro de 2022 e o Datafolha, cerca de dois terços dos evangélicos votaram em Jair Bolsonaro tanto em 2018 quanto em 2022, revelando um nível de coesão ideológica superior ao de católicos e pessoas sem religião. A pesquisa da More in Common com a Quaest confirma o padrão: os evangélicos se concentram nos polos conservadores, sobretudo entre os “patriotas indignados” e os “conservadores tradicionais”. O segmento “patriotas indignados”, que representa 6% da população brasileira, é o segmento mais religioso e possui a maior proporção de evangélicos, com 38%. O segmento “conservadores tradicionais”, que corresponde a 21% da população, também é altamente religioso (apenas 17% não têm religião) e concentra 36% de evangélicos.
Nas urnas, a coesão evangélica é menos um reflexo imediato da fé e mais uma estrutura social que se ativa em contextos específicos. Redes de igrejas, grupos comunitários e canais digitais mantêm uma identidade política latente, que se intensifica quando pautas morais dominam o debate ou lideranças religiosas convocam o voto. Quando a disputa se desloca para temas econômicos, essa força se dispersa, mas permanece disponível para ser reativada.
Essa unidade moral convive com ampla diversidade teológica, regional e de classe. Hoje, porém, essas diferenças têm sido eclipsadas pela narrativa das guerras culturais, que reforça uma identidade comum entre grupos distintos. O discurso moral, ao circular em templos e redes, sobrepõe divisões internas e produz uma coesão eleitoral maior que a própria heterogeneidade social do campo evangélico. Ainda assim, há sinais de que essa coesão não se sustenta apenas em valores simbólicos.
Estudo da UFMG mostra que congregações evangélicas funcionam também como redes de inserção profissional e apoio material, sobretudo para mulheres e pessoas negras, o que indica que as demandas por segurança, emprego e dignidade coexistem com as pautas morais. A pesquisa Os Invisíveis, da More in Common e da Quaest, reforça essa leitura ao apontar que mais da metade dos brasileiros, inclusive muitos evangélicos, está em segmentos pouco engajados e distantes dos extremos ideológicos.
Esses achados sugerem que a moralidade política se torna dominante apenas quando eclipsa preocupações concretas. Fora desses momentos de ativação, o eleitor evangélico tende a voltar a temas práticos da vida cotidiana, menos capturados por discursos identitários.
A mensagem aos políticos é que pautas morais continuarão a importar, mas políticas pragmáticas: emprego, creche, segurança e saúde — traduzem de forma mais fiel o que “defesa da família” significa na prática. A fé que orienta o voto também deveria exigir coerência entre promessa e resultado. Um eleitorado que vota por valores, mas cobra por políticas, deixa de ser alvo fácil e passa a ser força de transformação positiva para o país
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