
Em sua autobiografia, o Papa Francisco fala sobre a virtude da Esperança: “Em último caso, o otimismo, sim, pode iludir, mesmo sendo um comportamento precioso, uma determinação psicológica, uma qualidade do caráter que nos faz pender para uma visão mais favorável; mas não a esperança. Deus não nos priva da esperança porque não pode negar a si mesmo”.
Jackson Erpen – Cidade do Vaticano
A esperança que brota em meio às tragédias é como uma chama que resiste ao vento mais cruel: pequena, vulnerável, mas impossível de apagar. No meio da dor e da perda, ela se revela como um fio invisível que conecta o sofrimento ao renascimento, lembrando que a destruição não é o fim absoluto, mas um terreno fértil para a reconstrução. Das cinzas daquilo que foi perdido ou é ameaçado, a esperança convida à transformação, à criação de novos significados e à descoberta de forças antes desconhecidas. É justamente no contraste entre a escuridão da tragédia e a luz da esperança que a humanidade reencontra sua capacidade de seguir em frente e dar novo sentido à vida.
Dando sequência à sua reflexão “A esperança dos sobreviventes dos Andes”, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe hoje “A Esperança a partir das tragédias”:
“O livro intitulado “Esperança” é a primeira autobiografia de um papa na história, um relato completo escrito pelo Papa Francisco. Contamos o episódio da tragédia nas Cordilheiras dos Andes ocorrida em 1972. Papa Francisco, em seu Pontificado, recebeu uma carta de um dos sobreviventes dessa terrível tragédia, descrevendo em síntese o que aconteceu na famosa história ocorrida nas Cordilheiras dos Andes. Na sequência desse relato do Papa Francisco, vem a chave de ouro do Papa Francisco. Aprofunda sobre a esperança que animou esses sobreviventes para que se salvassem.
Diz Francisco assim: “A esperança é uma experiência real e muito concreta. Mesmo que seja uma esperança leiga. Hoje, a comunidade científica considera essa característica da espécie humana um dos mecanismos de sobrevivência mais poderosos que existem na natureza — por exemplo, para reagir a doenças. Trata-se de uma qualidade das mais complexas: nosso cérebro é equipado com alvos químicos que podem ser atingidos de maneira eficaz por meio da interação social, das palavras e dos pensamentos. À luz das descobertas mais recentes, compreendeu-se que a confiança, as esperanças e as expectativas positivas mobilizam uma infinidade de moléculas, e que esse importante componente psicológico utiliza os mesmos mecanismos que os medicamentos, ativando as mesmas vias bioquímicas. Ou seja, muito mais que ilusão e simples confiança, a esperança humana é, na realidade, remédio e tratamento”.
Continua Papa Francisco nessa sua autobiografia, no subtítulo de número 22: “A esperança cristã ainda é infinitamente mais do que isso: é a certeza de que nascemos para nunca mais morrer, de que nascemos para os momentos mais altos, para desfrutar da felicidade. É a consciência de que Deus nos ama desde sempre e para sempre e de que nunca nos deixa sozinhos: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, os perigos, a espada? […] Mas em tudo isto somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou”, diz o apóstolo Paulo (Rm 8,35-37).
A esperança cristã é invencível porque não é um desejo. É a certeza de que todos nós caminhamos rumo a algo não que gostaríamos que existisse, mas que já existe. Devo a minha mãe o amor pela ópera, que me acompanhou ao longo da vida. Em Buenos Aires, como cardeal, convidei muitas vezes a grande soprano Haydée Dabusti, considerada a Callas argentina, para animar as missas na catedral ou celebrar concertos. Amo Bellini, Verdi e, é claro, Puccini. No entanto, considero uma passagem de sua obra-prima, Turandot, a deturpação por excelência da esperança, que não é absolutamente “um fantasma” que “nasce toda noite e morre todo dia”, e por isso “sempre decepciona”; ao contrário, é algo que não pode decepcionar porque já se cumpriu (Rm 5,5). A esperança nunca decepciona”.
Nesse ponto aqui o Papa, nesse livro toca o lema do Ano Jubilar. Certamente da inspiração desse livro, preparado durante seis anos, que tirou o lema do Ano Jubilar.
Papa Francisco continua a falar sobre a virtude da Esperança, ricas palavras de sua autobiografia: “Em último caso, o otimismo, sim, pode iludir, mesmo sendo um comportamento precioso, uma determinação psicológica, uma qualidade do caráter que nos faz pender para uma visão mais favorável; mas não a esperança. Deus não nos priva da esperança porque não pode negar a si mesmo. Ao longo do caminho, dizia Paulo, a esperança também é o capacete da salvação (1Ts 5,8), ou seja, a proteção da cabeça, dos nossos pensamentos, dos nossos temores. Pois, como todo bem neste mundo, como toda virtude, a esperança também tem seus inimigos, que convidam a desistir, a renunciar, a ceder à treva; muitas vezes, os primeiros entre eles não estão fora de nós, mas dentro. É o pensamento amargo, obscuro, que às vezes nos seduz. É a tentação que nos surpreende quando menos esperamos e que os monges da Antiguidade chamavam de “demônio do meio-dia”, que priva de forças até mesmo uma vida de empenho, justamente quando o sol arde no alto. É aquela voz preguiçosa ou indolente que desencoraja, esvazia, que sussurra que o esforço é inútil. No estágio mais avançado é a apatia, a prostração que corrói a vida por dentro até deixá-la como um invólucro vazio. A esperança é um capacete para que essas condições nunca sejam aceitas passivamente, mas combatidas. Como disse o reverendo Martin Luther King: “Se eu soubesse que o mundo acabaria amanhã, ainda assim plantaria uma árvore hoje”. A esperança é o valor supremo, e seu oposto é o inferno já na terra, tanto que Dante significativamente pôs à porta do inferno o aviso: “Deixai toda esperança, vós que entrais”.
Em um célebre mito da Grécia antiga, narrado por Hesíodo e mais tarde transformado em expressão metafórica na cultura popular, a abertura do jarro de Pandora, primeira mulher mortal a surgir na Terra, desencadeia infinitas desgraças. Poucos, porém, recordam a última parte dessa narrativa: depois que todos os males escapam pela boca do jarro, um minúsculo dom parece esquivar-se diante do mal que se espalha. É o último que resta lá dentro: os gregos a chamam de Élpis, que significa “esperança”. Esse mito demonstra que a esperança que permanece é o que mais importa para a humanidade. Costuma-se dizer que “enquanto há vida, há esperança”, mas na verdade se dá o contrário: é a esperança que mantém a vida de pé, que a protege, preserva, faz crescer. Se os homens e as mulheres não tivessem cultivado desde sempre essa virtude, se não tivessem se amparado nela, nunca teriam saído das cavernas nem deixado rastro na história. Ela é o que de maisdivino pode existir no coração humano”.
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
Fonte: Vatican News
