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“Afinal, todos nós somos imigrantes nesta Terra. Nascemos num lado, vivemos noutro, crescemos noutro — e assim é a dinâmica da humanidade.” Com estas palavras, Dom Zeferino Zeca Martins SVD, Arcebispo Metropolita do Huambo, Angola, e Presidente da Comissão Episcopal para Justiça, Paz e Integridade da Criação, bem como da Comissão dos Emigrantes e Itinerantes (CEPAMI), refletiu sobre a pastoral dos migrantes e o compromisso da Igreja em promover a dignidade humana.
Sheila Pires, Joanesburgo, África do Sul
O Arcebispo falava durante o Jubileu de Ouro da Associação Inter-Regional dos Bispos da África Austral (IMBISA), celebrado em Matshapa, no Reino de Eswatini — um encontro marcado pela fraternidade episcopal, partilha pastoral e pelo espírito sinodal que une as Igrejas da África Austral há 50 anos.
Uma pastoral de proximidade e compaixão
Com entusiasmo e clareza, Dom Martins explicou que a pastoral dos migrantes em Angola tem crescido nos últimos anos, graças à ação coordenada da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé e Príncipe (CEAST) e à colaboração das Irmãs Scalabrinianas, cujo carisma é precisamente o acompanhamento dos migrantes.
“Os imigrantes que chegam a Angola em busca de novas oportunidades encontram uma pastoral já estruturada, em colaboração ativa com as Irmãs Scalabrinianas. Elas ajudam na integração cultural e social — as mulheres aprendem a língua, recebem formação para cuidar dos filhos, para aceder à saúde e à escola. É um trabalho paciente e transformador.”
Segundo o Arcebispo de Huambo, esta pastoral é sustentada por uma rede de formação contínua:
“A partir da Conferência Episcopal, formamos agentes em várias dioceses — jovens e adultos — sobre quem é o migrante, o que o faz sair da sua terra e como a Igreja deve acompanhá-lo com respeito e amor. Nessa formação participam também funcionários do Estado, da imigração e da polícia, para que aprendam a tratar o imigrante com a dignidade que ele merece.”
“O próprio Jesus foi imigrante”
Com uma visão profundamente evangélica, Dom Martins lembrou que a pastoral dos migrantes nasce do próprio exemplo de Cristo:
“O Senhor quis assim, porque Ele próprio foi imigrante desde muito tenra idade. Jesus nasceu em Belém, mas fugiu para o Egito por causa da perseguição de Herodes. Depois voltou para Nazaré e viveu uma vida itinerante. A Igreja não pode esquecer esta dimensão: todos somos peregrinos.”
O prelado ligou esta reflexão à mensagem do Papa Leão XIV, recordando que num “mundo dilacerado por guerras e injustiças”, a Igreja é chamada a ser “voz de alento” e a despertar as consciências:
“Cabe ao coração de cada um ser tocado pelas mãos do Senhor, para que vejamos o mundo como a nossa casa comum e reconheçamos no outro a pessoa criada à imagem e semelhança de Deus.”
A integração dos migrantes: um desafio e uma missão
Questionado sobre a integração dos migrantes em Angola, Dom Martins explicou que a CEAST tem um papel ativo não só no acolhimento pastoral, mas também na defesa dos direitos humanos e na advocacia junto das autoridades civis.
“Há famílias que vivem anos sem documentos, sem visto de residência, sem acesso à escola ou à saúde. A Igreja intervém, faz advocacia e diz ao Estado: estas pessoas são filhos de Deus, merecem dignidade.”
Para o arcebispo, o modo como a Igreja trata os mais vulneráveis é a prova da sua autenticidade cristã:
“É ali, ao lado dos pobres e marginalizados, que a Igreja joga a sua credibilidade e a sua fé. O próprio Cristo disse: ‘Nisto reconhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros’. A fé se mede na forma como lavamos os pés uns aos outros — sobretudo os pés dos mais pobres.”
Uma vocação nascida da experiência
Antes de regressar a Angola, Dom Martins partilhou que a sua paixão por esta pastoral nasceu da sua própria trajetória missionária:
“Trabalhei muitos anos em Madrid como capelão de imigrantes e fiz um mestrado em Direito de Imigração e Estrangeiros. Quando voltei para Angola, continuei este trabalho, agora com mais amor e dedicação. É uma pastoral apaixonante, da qual eu próprio sou apaixonado.”
E concluiu, com serenidade e esperança:
“Onde quer que eu esteja, sinto-me sempre imigrante itinerante. Somos todos peregrinos. E a missão da Igreja é acompanhar este caminho com amor, justiça e compaixão.”
O Jubileu de Ouro da IMBISA, celebrado sob o tema ‘Uma Jornada Sinodal, Alimentada pela Compaixão e Florescendo na Fé como Peregrinos da Esperança’, foi um momento para reafirmar esta vocação da Igreja em África: ser uma Igreja que acolhe, que escuta e que caminha com os mais vulneráveis, reconhecendo em cada migrante o rosto do próprio Cristo.
Fonte: Vatican News
