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Análise: Encontro de Lula com pastores revive ânimos fisiológicos na cúpula evangélica

O presidente Lula recepcionou nesta quinta (16) pastores evangélicos no Palácio do Planalto. Essa sentença, solta assim, pode até dar impressão de que o PT conseguiu fazer as pazes com um segmento que tem lhe dado banana nos últimos anos, atraído pelo canto da sereia bolsonarista. É isso mesmo?

Sim e não.

Primeiro, é preciso dizer que os visitantes do Planalto não são os suspeitos de sempre —a turma progressista abertamente simpática às bandeiras lulistas, que costuma ser alvo de chacota de líderes com popularidade parruda, por ter infiltração microscópica nas igrejas. Muitas vezes, esses pastores à esquerda servem mais para diluir preconceitos de bolhas seculares com crentes do que para falar com os crentes em si.

Quem baixou em Brasília foi o pessoal da Assembleia de Deus Madureira, um dos maiores ministérios deste que é o maior galho evangélico do país. Uma trupe que definitivamente não dá para rotular de esquerdista.

Se você não está familiarizado com a Assembleia, vale reforçar que ela não é uma igreja só: há uma linha assembleiana em comum, mas diversas composições internas, que inclusive travam disputas internas. Silas Malafaia, por exemplo, capitaneia a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que não tem nada a ver com o Ministério Madureira.

O bispo Samuel Ferreira, que esteve com Lula, é o presidente da Conamad (Convenção Nacional das Assembleias de Deus Ministério de Madureira), a segunda maior convenção assembleiana do país —perde para outra comandada pela família do pastor José Wellington Bezerra da Costa.

Então pouca coisa não é. Samuel Ferreira é grande o bastante no segmento para gerar episódios como este de 2017: Alexandre de Moraes não conseguiu ir a um evento da sua igreja que reuniu de Geraldo Alckmin (então governador de São Paulo e filiado ao PSDB) a Gilberto Kassab (PSD). Mandou desculpas pelo WhatsApp: na data, tomava posse no STF (Supremo Tribunal Federal). Ou iria.

É bom, contudo, identificar quem é a Madureira no mapa evangélico brasileiro. Ela costuma pular rápido no barco governista da vez e até mesmo manter um pé em cada canoa quando o cenário político está embaçado.

Agora, reúne-se com o presidente, a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e o advogado-geral da União, Jorge Messias, batista que Lula estuda indicar para o STF.

Basta lembrar que, em 2021, o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), representante da igreja e presidente da bancada evangélica, andou na garupa de Jair Bolsonaro (PL) numa das motociatas que ele promovia durante sua presidência.

No mesmo ano, André Mendonça, o pastor presbiteriano que Bolsonaro vendeu como seu ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal, foi à sede nacional da Madureira, em Brasília, celebrar sua posse no cargo.

E também em 2021 o nonagenário Manoel Ferreira, bispo primaz do ministério, posou sorridente com Lula após baterem um prato de frango com quiabo. O gesto horrorizou a cúpula evangélica, então fechada com Bolsonaro. Mas não surpreendeu ninguém.

A história mostra que a praxe, na liderança evangélica com quilate nacional, é repetir a cada ciclo eleitoral uma aproximação com quem assume o poder. Há a justificativa bíblica —o livro de Romanos fala em obedecer e orar pelas autoridades, pois elas seriam constituídas por Deus. E também a carta fisiológica: é mais interessante, para as igrejas, estar perto de quem manda do que ser oposição.

A última década, de forte polarização, dificultou um pouco essa manobra. Afinal, anda mais difícil explicar para a base de fiéis por que, depois de passar anos espinafrando Lula, ele deixou de ser o capeta em pessoa e passou a ser aliado da igreja. As redes sociais tornam a cobrança maior, e há sempre um Malafaia a postos para apontar o dedo aos “traidores” da causa.

Mas há sinais de que a velha fisiologia começa a dar as caras de novo. É como se a travessia no deserto bolsonarista já tivesse rendido seus frutos, e agora seria hora de reposicionar.

Lula, pintado como inimigo da fé por tantos anos, tenta costurar uma relação institucional com o campo evangélico sem parecer que está implorando perdão. Do lado de lá, lideranças que conhecem bem o jogo sabem que resistir demais pode custar caro. Quando o vento muda, a bússola pastoral vai junto.


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