
(FOLHAPRESS) – Cerca de 13% dos usuários que realizaram a triagem para identificar o padrão de consumo de álcool na ferramenta Modera SP, da Prefeitura de São Paulo, apresentam risco muito alto ou possível dependência alcoólica. Somados aos que apresentam risco alto (12%), esse número salta para 25%. Por outro lado, 55% têm risco baixo, enquanto 20% foram classificados com risco moderado, segundo dados da SMS (Secretaria Municipal de Saúde).
A plataforma, disponível gratuitamente dentro do aplicativo e-saúde, faz parte do programa Modera SP, uma estratégia ampla da SMS para estimular a reflexão sobre o consumo abusivo de álcool, além de promover o cuidado com a saúde mental e física em casos de alto risco.
Lançada oficialmente para toda a cidade em abril de 2024, após um projeto-piloto no bairro São Miguel Paulista, na zona leste, a ferramenta já registrou 130 mil acessos realizados por mais de 80,7 mil usuários diferentes. Desse total, 30,3 mil fizeram a triagem para descobrir o risco de dependência alcoólica.
A triagem classifica o usuário em quatro níveis: risco baixo de dependência, risco moderado, risco alto e risco muito alto/possível dependente, com base no teste Audit (teste de identificação de transtornos por consumo de álcool, na sigla em inglês), elaborado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Thiago Mattos Mendes, assessor técnico da coordenadoria de atenção básica da SMS, explica que o programa surgiu da necessidade da rede de saúde pública em oferecer cuidado às pessoas que pudessem apresentar consumo nocivo de álcool.
“Dados epidemiológicos mostram um aumento considerável do uso do álcool nos últimos anos, especialmente entre as mulheres. Esse cenário motivou a criação de uma estratégia para integrar ações na atenção básica e na rede de atenção psicossocial”, afirmou.
Na divisão por gênero, as mulheres são as que mais demonstraram interesse em conhecer seu padrão de consumo de álcool, representando 52% dos que fizeram a triagem, enquanto os homens corresponderam a 48%.
Já na divisão por faixa etária, mais de um terço (36%) das triagens foram feitas por jovens de 18 a 29 anos, o que mostra maior engajamento desse grupo no acompanhamento do consumo de álcool.
Pessoas entre 30 e 39 anos representam 22% dos usuários que fizeram a triagem, enquanto aquelas entre 40 e 49 anos correspondem a 20%. As faixas etárias de 50 a 59 anos e acima de 60 anos registram, cada uma, 11% do total.
Por meio da assistente virtual Susana, nome em homenagem ao SUS (Sistema Único de Saúde), o usuário é acompanhado com materiais de apoio, vídeos e orientações.
Além disso, ao fim do teste, a assistente virtual sugere um plano de mudança personalizado. O usuário pode escolher reduzir o consumo, parar de beber ou controlar os episódios de uso excessivo por meio de um diário.
Caso opte por um plano de mudança, o usuário deve acessar o app diariamente para registrar o consumo e acompanhar a evolução. Se a pessoa não atualizar o diário por alguns dias, o aplicativo enviará notificações para incentivar o retorno.
Mendes destaca a importância da autonomia do usuário em traçar seu próprio plano de mudança para garantir a eficácia da reabilitação. “Se impusermos metas rígidas, aumentamos a chance de perder o engajamento. Nosso objetivo é oferecer informação e suporte para que o próprio usuário queira evoluir no seu comportamento.”
Ele explica que os níveis de risco classificados entre baixo e alto são manejáveis por meio da triagem e da intervenção breve, que visam educar e motivar a redução do consumo. Já o risco muito alto/possível dependente exige acompanhamento médico mais intensivo.
“Nesse caso, a unidade de saúde recebe uma notificação automática para iniciar a abordagem clínica, que pode incluir atendimento individual, atividades em grupo ou encaminhamento para um Caps Álcool e Drogas”, afirma Mendes.
Quando um usuário é identificado com risco muito alto, ele também é orientado a procurar uma UBS (Unidade Básica de Saúde), que realiza busca ativa para garantir a consulta médica. Assim, é possível confirmar o diagnóstico e oferecer o tratamento adequado.
Além do aplicativo disponível para smartphones, a triagem pode ser feita por profissionais capacitados nas UBSs, utilizando a plataforma e-saúdeSP em computadores. “Pelo menos um trabalhador em cada unidade já recebeu treinamento para abordar questões relacionadas ao alcoolismo no programa Modera SP”, afirma Mendes.
Segundo Carla Linarelli, psicóloga clínica, gestalt-terapeuta, especialista em dependência química pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a escala de risco da ferramenta Modera SP é fundamental para orientar profissionais de saúde, mas enfatiza que, além de identificar o padrão de consumo, também é importante compreender o contexto individual do usuário numa perspectiva mais ampla e humana.
“O uso do álcool é mais complexo e costuma ser um sintoma de questões mais profundas. A abordagem precisa ir além do tratamento do sintoma e buscar identificar e atuar nas causas subjacentes. Então é fundamental analisar como situações de violência, desemprego e pressão social influenciam esse consumo, por exemplo”, diz.
Na perspectiva de Karina Diniz, professora do departamento de psiquiatria da FCM (Faculdade de Ciências Médicas) da Unicamp (Universidade de Campinas), um diagnóstico precoce é fundamental para evitar não apenas as complicações clínicas decorrentes do uso de álcool, mas também os prejuízos sociais causados pela dependência.
“O indivíduo dependente prioriza o consumo de álcool em detrimento de outras áreas importantes da vida. Família, emprego e amigos são eixos que se abalam, piorando a situação e tornando o problema mais complexo”.
Diniz destaca alguns sinais de alerta para o consumo abusivo de álcool. Um deles é refletir sobre o papel da bebida em eventos sociais. “A pessoa consegue se divertir sem ingerir álcool? O consumo faz parte das celebrações ou é imprescindível para a diversão? Ela bebe para socializar ou sente que precisa beber para ter prazer?”
Além disso, o uso frequente de quantidades maiores em momentos de tristeza ou frustração também é preocupante. Outro ponto de atenção é o contexto do consumo: como o álcool é uma substância social, o hábito de beber sozinho regularmente também é um indicativo de risco.
“A dependência surge quando o álcool passa a ser necessário na vida, e a ausência da bebida causa desconforto. Sinais físicos de abstinência, como tremores e irritabilidade que melhoram com o consumo, indicam que a dependência já está instalada”, afirma Diniz.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.
Fonte: Notícias ao Minuto