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Opinião – Conrado Hübner Mendes: Bolsonaro e generais condenados só não viu quem já morreu

A ideia de Estado de Direito ensinada nos livros promete sociedade em que a lei se cumpre, sem distinção de status. Quem viola a lei, pessoa pública ou privada, paga. Nenhum Estado no mundo é infalível nesse projeto. Há uns melhores que outros. Em todos os casos, o mais difícil é aplicar a lei ao poder político, econômico e corporativo.

O Brasil conseguiu façanha única em 11 de setembro de 2025. Pela primeira vez na história, depois de tentativas e erros, derrotas atrás de derrotas, depois de pacificações pela força e anistias, conseguiu punir um ex-presidente da República e generais por tentativa de golpe de Estado, de abolição do Estado de Direito e organização criminosa.

Para o otimista, a história mudou. A partir de agora, militares e membros da família golpista sabem que podem ser presos. Dissuadidos, vão deixar de tentar seu crime de estimação, o mais cultivado no último século. Rompeu-se o pêndulo histórico entre autoritarismo e democracia. Esta venceu.

Para o pessimista, foi sorte. A conjunção improvável de um juiz corajoso, uma corte com disposição para defender o regime, não só o seu interesse, e um político tão estúpido quanto odioso, cercado de patetas armados e igualmente estúpidos, desencadeou evento único e irrepetível de aplicação da lei penal a quem, pela tradição, comete crime sem pena.

Nada teria mudado na vocação nacional para a violência. Nenhuma instituição foi reformada, nenhum militar deixou de entender ditadura como democracia, ou golpe como revolução. Nenhum militar, quando deseja confirmar que o art. 142 da Constituição autoriza golpe, vai deixar de ligar para Ives Gandra. Nenhum militar está disposto a aceitar controle pelo poder civil e a proibição de cruzar a linha da política.

O futuro está em aberto. Mas tanto o otimista quanto o pessimista, excluído o bolsonarista, reconhecem que o fato é superlativo e merece celebração. Se não determina o amanhã, dá sopro de esperança e energia não só pela defesa da democracia, mas pelo seu aperfeiçoamento.

Dá alguma esperança contra nosso vício de esquecimento. Um passo de valorização da memória, uma consequência jurídica para o grito de “Brasil Nunca Mais”. Pela primeira vez, tivemos reação judicial relevante contra líderes da violência de um Estado que mata em grande escala (por ação e omissão).

Só os sobreviventes puderam ver. Os mortos por falta de ar durante a pandemia, em razão de ação e omissão deliberada do governo Bolsonaro, que o procurador-geral da República se recusa a investigar, não puderam. Os mortos nas periferias urbanas por violência policial, blindada pelo sistema de Justiça, não puderam. Os mortos pela ditadura militar, como Vladimir Herzog e Rubens Paiva, não puderam. Os militares torturadores e culpados por crimes contra a humanidade, ainda vivos e beneficiados pela anistia, lei que o STF (Supremo Tribunal Federal) ainda se recusa a revisitar, viram e preferiram não se manifestar.

O julgamento mostrou virtudes judiciais. Alexandre de Moraes produziu voto sem adornos bacharelescos: só fato, prova e fundamento legal, um atrás do outro; Flávio Dino, sem pretensão de protagonismo, falou o suficiente para reforçar o voto do relator; Cármen Lúcia reagiu com serenidade e carisma, precisão analítica e metafórica à bem conhecida mediocridade de Luiz Fux. Cristiano Zanin conduziu o julgamento com discrição e objetividade, sem apartes exibicionistas, sem afetação, sem ironia fora de hora.

Não é tão difícil explicar à população, como disse editorial da Folha, por que golpistas podem receber pena maior que homicidas. Mesmo que fosse difícil, valeria o esforço. Mesmo que impossível, continuaria a ser aplicação possível da lei. Para discordar, há que se percorrer o caminho dos votos: fato, prova e fundamento legal; fato, prova e fundamento legal. Se houve algum exagero, não foram as penas.


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