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Anistia a Bolsonaro seria repetição de impunidade, diz Fábio Konder Comparato

Para o jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) Fábio Konder Comparato, a atual movimentação pela aprovação de uma anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro e na trama golpista, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), é uma tentativa de repetição da anistia de 1979.

Ele, que assinou ação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no STF (Supremo Tribunal Federal) sustentando que a lei da anistia não poderia impedir a punição de crimes contra a humanidade perpetrados na ditadura militar, vê também na medida atual uma defesa da impunidade.

Comparato defendeu ainda, em entrevista à Folha por email, que crimes contra o Estado Democrático de Direito não podem ser perdoados e que, se aprovada uma anistia neste sentido, ela seria inconstitucional.

Referência em direitos humanos, ele também atuou em nome de familiares de mortos e desaparecidos da ditadura e diz não acreditar que a atual composição do Supremo voltaria “a se conformar com uma eventual supressão das liberdades públicas”.

Como o sr. vê a movimentação pela aprovação de uma anistia aos envolvidos nos ataques do 8 de Janeiro, ao ex-presidente Jair Bolsonaro e demais réus da trama golpista? Trata-se de uma tentativa de repetição da anistia promulgada pela Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, que anistiou “todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”.

Ou seja, tratava-se de encerrar o regime militar, sem que os seus autores e executores fossem punidos.

O sr. vê então a movimentação atual pela anistia como defesa de impunidade? Sem dúvida. Isto já era evidente antes da decisão de 11 de setembro da Primeira Turma do STF [condenando Bolsonaro].

O sr. considera que um projeto com esse teor aprovado no Congresso com tal previsão seria constitucional? Por quê? Obviamente um projeto com esse teor aprovado no Congresso Nacional seria inconstitucional, pois ofenderia os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, consagrados nos artigos 1º e 5º, inciso XLIV, da Constituição.

O ministro do STF Gilmar Mendes disse há poucos dias que crimes contra o Estado Democrático de Direito são insuscetíveis de perdão. O sr. concorda? Essa previsão não teria que estar explícita na Constituição? A disposição de que “crimes contra o estado democrático de direito são insuscetíveis de perdão” está prevista no artigo 5º, inciso XLIV, da Constituição Federal, ao dispor que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.

E quando não estiver configurada a “ação de grupos armados”? A anistia a crimes contra o Estado Democrático de Direito poderia ser eventualmente constitucional? Como já disse, a anistia a crimes contra o Estado Democrático de Direito, em qualquer hipótese, violaria a cláusula pétrea do artigo 1º da Constituição Federal. [Este artigo prevê que a República Federativa do Brasil “constitui-se em Estado Democrático de Direito” com um rol de fundamentos].

Tanto o artigo 1º, quanto o artigo 5º, inciso XLIV, da Constituição Federal são considerados “cláusulas pétreas” do nosso sistema jurídico, no sentido de que não podem ser violados de forma alguma.

Quais as balizas para avaliar a possibilidade de anistiar ou não os crimes contra o Estado Democrático de Direito? Tais disposições constitucionais são unanimemente consideradas “cláusulas pétreas”, exatamente porque a sua infração, sob qualquer forma, jamais pode ser tolerada.

Do ponto de vista formal, a anistia poderia ser aprovada antes de uma condenação? Não, a anistia só diz respeito aos crimes cuja condenação dos autores já transitou em julgado.

Parte das anistias concedidas no passado, como a de 1979, não ocorreu antes da condenação ou do trânsito em julgado? Quais as diferenças na situação atual? A anistia só se configura quando já houve a condenação. A anistia prévia somente serviria ao acusado para evitar um desgaste de mídia e enfrentamento do processo, o que, a meu ver, não faz sentido algum.

O sr. avalia que é possível fazer algum paralelo entre a discussão da constitucionalidade da anistia de 1979 com o debate atual? Sim, como afirmei, o atual debate sobre a constituição de anistia “ampla, geral e irrestrita” nada mais é do que a repetição da anistia concedida pela Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979.

Na avaliação do sr., o Supremo errou ao validar a anistia de 1979? O sr. entende que a corte teria que revisitar esse entendimento do passado caso venha analisar a constitucionalidade de uma eventual nova anistia? O objetivo da decisão de 1979 do STF foi, de acordo com a longa tradição brasileira, realizar a conciliação entre o grupo político dominante, que tomou o poder em 1964 e continuava a exercê-lo, e a grande maioria da população, já farta de ditadura e que queria voltar a gozar da liberdade e dos direitos fundamentais suprimidos.

Mas o retorno à normalidade constitucional só foi alcançado em 1988, quando entrou em vigor uma nova Constituição, felizmente ainda vigente.

A posição do STF sobre a anistia de 1979 impõe um desafio argumentativo à corte na avaliação do sr.? Não creio que o STF, com a sua atual composição, volte a se conformar com uma eventual supressão das liberdades públicas.

Raio-X | Fábio Konder Comparato, 88

Advogado e professor emérito da Faculdade de Direito da USP. Referência em direitos humanos, é doutor honoris causa da Universidade de Coimbra e membro do conselho consultivo da Comissão Arns.


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