
O ministro Luiz Fux, que iniciou seu voto nesta quarta-feira (10) dizendo ser preciso ter “firmeza para condenar quando se tem certeza e humildade para absolver quando houver dúvida”, explorou lacunas da acusação e desconsiderou evidências, concluindo não haver provas de ligação de Jair Bolsonaro a nenhum dos episódios da trama golpista ocorrida no final de seu governo, em 2022.
Usando diversas vezes a expressão de que, a seu ver, tudo não extrapolou o “campo da mera cogitação”, Fux se colocou como claro contraponto ao trabalho da Polícia Federal, da PGR (Procuradoria-Geral da República) e do relator do caso, ministro Alexandre de Moraes.
Enquanto o trio sobrevalorizou indícios de crime mesmo onde a investigação não apresentou prova direta, Fux minimizou todos eles, inclusive os mais robustos.
Ao analisar os questionamentos preliminares, ele já havia rebatido ponto a ponto a conduta de Moraes, inclusive votando três vezes a favor da anulação de todo o processo sob o argumento, entre outros, de que houve relevante cerceamento ao direito de defesa.
Fux começou a tratar especificamente do caso de Bolsonaro, o ponto alto de seu voto, no início da noite, nove horas após iniciar a leitura com o seu posicionamento.
O ministro explorou lacunas da investigação, como a falta de ligação direta de Bolsonaro com, por exemplo, o plano de assassinar autoridades e os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Embora esses atos tenham sido planejados e praticados por bolsonaristas e sob o discurso amplamente estimulado pelo ex-presidente, os dois votos pela condenação —de Moraes e Flávio Dino— usam o conjunto de indícios indiretos para estabelecer a culpa.
Já Fux disse que condenar Bolsonaro pelo 8 de Janeiro seria o mesmo que condenar críticos do ex-presidente pela facada que ele sofreu na campanha de 2018.
Sobre o plano de assassinato, o “Punhal Verde Amarelo“, Fux prioriza a ausência de prova de que Bolsonaro conhecia e tenha dado anuência ao plano. Mas ignora o fato de que o general da reserva Mario Fernandes, então número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, que o produziu, imprimiu cópias 40 minutos antes de se dirigir ao Palácio da Alvorada, onde estava o ex-presidente.
Em 9 de dezembro, um dia depois de ter estado no Alvorada, o general mandou uma mensagem para Mauro Cid relatando que Bolsonaro havia aceitado “o nosso assessoramento”.
Neste mesmo dia 9, Bolsonaro rompeu o silêncio em que estava desde o resultado das eleições e, a apoiadores no Alvorada, fez um discurso dúbio, dizendo que é o povo “quem decide para onde vai as Forças Armadas”.
Sobre a evidência mais robusta contra Bolsonaro, as discussões sobre as minutas golpistas, Fux disse considerar que tudo não saiu do campo das conjecturas e, nesse ponto, destacou frases do delator Mauro Cid nessa direção e minimizou outras no sentido contrário.
“A PGR disse que o documento de finalização do golpe era preparado pelo grupo e acompanhado de perto por Jair Messias Bolsonaro, mas a acusação não logrou indicar exatamente qual documento teria sido apresentado ou discutido na reunião, sendo certo que o seu conteúdo não veio aos autos”, disse.
O ministro disse que uma medida antidemocrática pode até ter sido cogitada pelo ex-presidente, mas não configura ato executório para um golpe de Estado.
“Essas contradições e falhas [da acusação] que, ao meu modo de ver, estão intrinsecamente na acusação, vão ser tornando cada vez mais […] insustentáveis à medida que a narrativa avança. E até aqui, como se nota, não há provas que sustentam um édito condenatório. O édito condenatório deve trazer paz de espírito ao juiz ao condenar”, completou.
Travestida com ares de legalidade, a minuta teve uma de suas versões apreendida na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro Anderson Torres.
Em suma, estabelecia medidas para anular o resultado da eleição de Lula e manter Bolsonaro no poder.
Em busca de apoio à empreitada, o então presidente apresentou versão desse documento aos chefes das Forças Armadas em 7 de dezembro de 2022, de acordo com vários testemunhos, e, possivelmente, ao general Estevam Theophilo, comandante de Operações Terrestres do Exército, dois dias depois, em 9 de dezembro.
O documento golpista foi objeto ainda de nova reunião com os comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica, dessa vez conduzida pelo ministro da Defesa, o general da reserva Paulo Sérgio, em 14 de dezembro.
O general Freire Gomes (Exército) e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica) não teriam anuído com o golpe, diferentemente do almirante Almir Garnier Santos (Marinha), que hoje integra o grupo de réus sendo julgados.
As provas apresentadas não se resumem às versões do documentos apreendidas, mas se ancoram também nos depoimentos de Freire Gomes, Baptista Junior e Mauro Cid, além de troca de mensagens apreendidas que tratam dessa discussão e que indicam também que os comandantes do Exército e da Aeronáutica passaram a ser alvos de ataques nas redes por não concordarem com o plano golpista.
Diante das evidências, o próprio Bolsonaro reconheceu ter estudado medidas “dentro das quatro linhas da Constituição” –só não explicou por que as cogitava sem que houvesse situação de relevante anormalidade que as justificasse.
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