
Quando parecia resignado a assumir as sandálias de Marco Aurélio de Mello como o “voto vencido” da corte, Luiz Fux deixou sua marca no mais importante julgamento da história do Supremo Tribunal Federal.
Se até a estátua da Justiça cega à frente da corte sabia que ele iria divergir dos colegas da Primeira Turma no julgamento da trama golpista, as contradições assumidas pelo ministro impressionaram mesmo seus entusiastas nas defesas dos réus.
Além disso, o tom francamente adversativo fez lembrar, com a ressalva de que ele buscou evitar personalizar as críticas óbvias ao relator Alexandre de Moraes, grandes momentos de embates no plenário, como quando Joaquim Barbosa quase ia às vias de fato com Ricardo Lewandowski no julgamento do mensalão.
Como seria esperado, ele virou o herói do dia para o bolsonarismo, dando sua contribuição à manutenção o assento reservado ao Supremo na polarização política brasileira, algo de resto que pode ser atribuído ao ativismo da corte ou às fragilidades institucionais do país, a gosto do crítico.
Por certo, Fux sabe que lado tomou, sem entrar em mérito jurídico. A dupla Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo o incensou como salvador da toga, e o deputado fez questão de enfatizar sua campanha junto ao governo Donald Trump para punir ministros do Supremo que não aliviem para o ex-presidente ora no banco dos réus.
Eduardo republicou uma postagem do assessor da Casa Branca Jason Miller, um de seus contatos no governo, em que o americano elogiava o voto de Fux. Antes, o deputado lembrou que todos os que não estiverem ao lado de seu pai deverão ser alvo da draconiana Lei Magnitsky já aplicada a Moraes.
Como se sabe, apenas Fux e os indicados por Jair Bolsonaro ao Supremo, André Mendonça e Kassio Nunes Marques, foram poupados de críticas e cancelamento de visto americano até aqui. Eduardo quer mais, e talvez o secretário de Estado, Marco Rubio, o ouça.
Isso promete contaminar o clima no plenário do Supremo, que até aqui vinha deixando suas divergências de lado em nome da defesa da instituição. Se Moraes tem o apoio da presidência do Poder e de seu decano, que hoje formam maioria corporativa, a pressão daqueles contrários a seu estilo xerife deverá subir e garantir mais diversão na TV Justiça.
Nesse sentido, o bolsonarismo talvez possa se sentir vingado e Fux, certamente será aplaudido ao passear por algumas regiões de seu Rio de Janeiro ou da Orlando que a ele seguirá acessível. Mas o impacto mais imediato desta quarta (10) não parece ser capaz de se espraiar em favor do objeto central da crise, Jair Bolsonaro.
Se for condenado e pegar pena de prisão, como parece inevitável, nada irá facilitar sua vida no curto prazo. A anistia acalentada na Câmara pode até sair, mas o processo no Senado será bem diferente e, por fim, há jurisprudência para derrubá-la se assim for provocado do Supremo.
Por óbvio, a corte é conhecida por sua mudança de posições, mas nada sugere que irá ver algo além da divergência já prevista e agora cristalizada com o voto de Fux. O mesmo pode ser dito sobre um eventual indulto dado por um presidente bolsonarista que venha a tomar o lugar de Lula (PT) em 2027.
Resta, claro, a possibilidade de esperar a mudança da composição do Supremo até 2030 e a oportunidade de análise da condenação presumida do ex-presidente. O voto de Fux, na essência, tem importância para as defesas neste ponto, o da competência da corte, tema que ajudou Lula a voltar ao jogo político após deixar a prisão.
Novamente, há óbices. Bolsonaro seguirá inelegível até 2030 na hipótese de um perdão criminal futuro, dado que foi condenado pela Justiça Eleitoral. Com isso, o calendário e a retirada de cena que faz Tarcísio e outros se mexerem agora permanecem iguais, apesar do momento de alegria que Fux injetou nas hostes bolsonaristas.
Veja mais em Folha de S. Paulo