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Opinião – Marcus Melo: Existem democracias consolidadas?

As democracias se consolidam ao longo do tempo? O debate sobre transição e consolidação democrática nas décadas de 1980 e 1990, no contexto da chamada terceira onda da democracia, opôs visões otimistas e pessimistas. Os primeiros, inspirados pela noção de fim da história, sustentavam que a democratização era inexorável e irreversível, impulsionada pela elevação generalizada da renda e pela expansão dos mercados em escala global.

Os pessimistas alertavam que nada garantia a perpetuação da democracia. Entre eles, Przeworski que, no entanto, estimou que a probabilidade de derrocada da democracia nos EUA era de 1 em 1,8 milhão. Seu ceticismo derivava da concepção da estabilidade democrática como um equilíbrio autoimposto, no qual a estratégia dominante dos atores é seguir as regras do jogo democrático. Trata-se, porém, de um equilíbrio instável: mantém-se apenas quando os stakes do jogo não são excessivamente altos e os ganhos sob a democracia superam os de uma alternativa autoritária. Para Przeworski, a leitura dominante da transição como um “pacto” entre elites era excessivamente ingênua.

A questão da consolidação ressurgiu com vigor diante do retrocesso democrático sob Trump, nos EUA —um dos regimes mais longevos e, supostamente, consolidados do mundo. A crença na consolidação da democracia americana contribui em grande medida para o paradoxo da limitada reação institucional, diante dos crescentes abusos de poder por parte de Trump. A questão também nos interessa: nossas instituições democráticas estão consolidadas?

As evidências apontam de forma robusta para a renda como o principal preditor da democratização e, posteriormente, da consolidação. Contudo, há exceções relevantes —especialmente entre países ricos em riqueza mineral (gás, petróleo, diamantes etc). Nesse contexto, o timing é crucial. A sequência virtuosa ocorre quando sua descoberta sucede o estabelecimento de instituições democráticas; caso contrário, tende a configurar uma maldição, pois a disputa política por tais riquezas possui forte potencial desestabilizador.

Huntington propôs, como métrica para classificar regimes em consolidados, o critério de duas alternâncias pacíficas de poder entre forças rivais. Os EUA registraram 22 alternâncias. Já o Brasil atenderia a esse critério, dada a ausência de ruptura institucional e o fracasso do golpe em 2022.

Svolik, um otimista, modelou a consolidação como um processo latente, em que a probabilidade de mudança de regime cai abruptamente de 1/3 para 1/200 após 17 a 20 anos de democracia contínua. Assim, a própria experiência democrática —controlada pela renda e outros fatores— emerge como um dos melhores preditores da consolidação.

Contudo, o mesmo Svolik demonstrou que, embora democracias consolidadas sejam imunes a golpes militares, permanecem vulneráveis ao chamado incumbent takeover, a erosão interna. Ainda que raras —cai a zero após 50 anos— tais ocorrências são dez vezes mais prováveis em regimes presidencialistas e sete vezes mais frequentes em países exportadores de petróleo.

A reação institucional a Trump começa a se mostrar efetiva. Ainda é cedo para conclusões.


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