
A 393 dias do primeiro turno da eleição presidencial de 2026, a campanha pela sucessão de Lula (PT) começou em grande estilo neste 7 de Setembro, data que nos últimos anos carregava forte sotaque golpista da era de Jair Bolsonaro (PL) no poder.
Em Brasília, o atual mandatário aproveitou para burilar a retórica dos “traidores da pátria”, uma referência à campanha do clã Bolsonaro para que Donald Trump ataque o Brasil na esperança de melar o julgamento do seu patriarca pelo Supremo Tribunal Federal.
Já no pronunciamento da véspera, o tema de campanha que alude à soberania nacional foi repisado pelo petista. É um discurso eficaz, embora seja incerto em termos de prazo de validade —noves fora o fato de que governos têm de entregar à população, e Lula segue sendo mais mal do que bem avaliado.
A pouco mais de mil quilômetros dali, horas depois, a manifestação da direita bolsonarista na avenida Paulista apresentava as armas do outro lado, temperadas pelas lágrimas de uma Michelle Bolsonaro em modo pregadora.
Se alguém teme a alcunha de entreguista, não teve voz ativa na organização: havia um bandeirão americano e diversas mensagens pedindo ajuda a Trump e agradecendo o americano por ter imposto sobretaxas de importação de impacto potencialmente destrutivo para o país.
A presença do estandarte dos Estados Unidos superava a da bandeira de Israel, outro clássico desse misto de ato político e culto evangélico montado por Silas Malafaia. Nessa toada, o jingle “nossa bandeira nunca será vermelha” precisará de atualização para a paleta americana.
Com a mesa posta, sentou-se no lugar de honra o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), o herdeiro presumido de Bolsonaro que até a semana passada buscava jogar uma partida de equilíbrio, alternando bolsonarismos ao figurino de direitista moderado comprado pela Faria Lima.
O ex-ministro assumiu um teatro pela anistia do antigo chefe atrás de sua bênção eleitoral, simbolizada neste domingo por uma Michelle que serviu mais de escada do que como rival potencial pelo espaço no populismo.
Se o projeto de perdão dos golpistas vai avançar na Câmara, no Senado a conversa é outra, para não mencionar a barreira final para qualquer virada de mesa da esperada condenação de Bolsonaro que está montada no Supremo.
Na Paulista, a fantasia moderada foi rasgada de vez, dois dias depois de Tarcísio protagonizar mais uma batida de martelo em modo civilizado, ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). “Como vamos admitir isso?”, questionou acerca do julgamento de Bolsonaro.
Segundo o governador da mais populosa e rica unidade da Federação, “não vamos aceitar o que diz um ditador”, sobre Alexandre de Moraes. O processo no Supremo é “viciado e maculado”, provando que o Brasil não é “um Estado livre”.
Não são acusações triviais e mostram que a guinada de Tarcísio, por mais informada que esteja pelo apoio do centrão à sua candidatura e a necessidade de apaziguar Bolsonaro, encampa uma dose grande de risco.
Aliados mais ponderados do governador temem que o abraço ao ex-presidente custe caro. A direita sempre usará a métrica das ruas, com a decantada inapetência reiterada pelo protesto da esquerda neste domingo, para dizer que tem razão. Mas não é assim, apontam pesquisas.
Em favor de Tarcísio, há seu espaço de manobra. Se ele perceber Lula muito forte, pode apenas buscar a reeleição dada como certa hoje, e aí terá mais quatro anos para tentar retirar o verniz bolsonarista com o qual se lambuzou nos últimos dias.
Outro problema sério para o governador é a alienação do equivalente brasileiro ao eleitor pêndulo americano, o centrista mais conservador que elegeu Bolsonaro em 2018 e Lula em 2022, temeroso dos excessos de lado a lado.
Nesse sentido, a radicalização de Tarcísio é excelente negócio para Lula, que teria mais dificuldade em soar o alarme do golpismo bolsonarista com um adversário racional e moderado. Por óbvio, esta é a fotografia deste momento, mas a imagem que se vê é de uma campanha de extremos em formação.
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