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Opinião – Demétrio Magnoli: O Processo

Jair Bolsonaro não é Josef K., por mais que Trump e a ultradireita brasileira tentem exibi-lo como o personagem de Kafka esmagado por um Estado judicial tão perverso quanto inescrutável. O processo de Bolsonaro e da sua quadrilha de conspiradores merece o “P” maiúsculo por outra razão: o adjetivo “histórico”, hoje desmoralizado por uso excessivo, aplica-se legitimamente a ele. O Brasil que sentencia os golpistas está dizendo que nem tudo é objeto de negociação.

Os EUA fugiram ao dever de condenar Trump pela sua tentativa de golpe de Estado. O fruto disso não é o retorno do golpista à Casa Branca, algo que deriva das políticas essencialmente da obsessão identitária do Partido Democrata, mas a erosão geral das instituições que sustentam a democracia americana. O Brasil segue caminho diverso, submetendo o ex-presidente e uma malta de altos oficiais militares ao império da lei. Nesse passo, rompe-se a tradição da conciliação por cima que, ao longo da República, premiou tantos inimigos da ordem democrática.

Nosso Processo é uma obra imperfeita. Num tribunal mais cuidadoso com o decoro legal, juízes não pronunciariam discurso políticos retumbantes que antecipam seus votos. Um tribunal menos ativista ajustaria seu regimento interno às circunstâncias históricas, julgando os réus no pleno de onze ministros. Um tribunal mais atento ao futuro constrangeria o relator a se declarar impedido, pois ninguém deve ocupar simultaneamente os lugares de magistrado e vítima potencial.

Nenhum dos deslizes do Processo autoriza a utilização do adjetivo “kafkiano”. Os réus beneficiaram-se de amplo direito à defesa. São múltiplas, incontestáveis, provas de que foram deflagrados atos preparatórios para um golpe destinado a anular o resultado das eleições e abolir o Estado de Direito. Infelizmente, porém, cada um desses deslizes oferecerá pretextos para operações judiciais e políticas destinadas a anular as sentenças.

O chefe golpista nada aprendeu, como evidencia sua conspiração com uma potência estrangeira para interromper o Processo. O novo crime, que causa danos econômicos a toda a sociedade brasileira, tende a produzir uma involuntária consequência positiva. Antes da interferência imperial de Trump, cogitava-se no STF poupar Bolsonaro da prisão em regime fechado, condenando-o a uma mansão com vista para o lago. Depois da sanção tarifária e da aplicação da Lei Magnitsky, tudo indica que desmoronou o ensaio de subordinar a lei às conveniências dos “homens bons”.

O Brasil nunca teve a coragem de julgar os responsáveis pelas violações de direitos humanos durante a ditadura militar, mas agora escolhe rejeitar a via dos acertos espúrios entre elites. O resultado mais relevante do Processo será ensinar às Forças Armadas que a política é território exclusivo dos cidadãos sem armas.

Os governadores da direita e o Centrão ensaiam firmar um intercâmbio com Bolsonaro. O ex-presidente apoiaria a candidatura de Tarcísio de Freitas, em troca de futuro indulto presidencial. O pacto indecente, que expõe a fragilidade do compromisso da direita com a democracia, desvia a conclusão do Processo para a esfera política. Na prática, as sentenças judiciais só serão confirmadas após a eleições presidenciais de 2026 – e apenas na hipótese de derrota do governador paulista.


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