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Opinião – Deborah Bizarria: Entre distrações e prioridades: como a atenção afeta políticas

Minha atenção nesta semana está dividida entre o julgamento de Bolsonaro no STF, as articulações para as eleições em 2026 e estratégia do governo Lula para amortecer o tarifaço americano. Some a isso o ruído das redes, estreias no streaming e cinema, e o trabalho que não espera. Levei uma hora para me concentrar e começar este texto. O incômodo é útil: aponta para o tema que deveria organizar como lidamos com todos esses temas, a economia da atenção. A revisão de George Loewenstein e Zachary Wojtowicz organiza essa agenda em três modelos que, usados com critério, transformam excesso de dados em decisões melhores.

O primeiro modelo descrito por entende a atenção como um recurso escasso, que precisa ser disputado e alocado de forma estratégica. Neste enquadramento, a atenção funciona como um holofote: só cabe um assunto por vez, e a entrada de um novo tema no debate exige desviar o foco de outro. A política, nesse contexto, torna-se uma competição por espaço mental. Isso ajuda a explicar por que pautas importantes podem ser ignoradas se surgem em momentos de saturação — como durante crises ou eleições. Assim, por exemplo: uma proposta de reforma no sistema prisional ainda que tecnicamente robusta e apoiada por evidências, pode passar despercebida se for lançada na mesma semana de um escândalo de corrupção ou de uma tragédia com grande repercussão. O holofote está ocupado.

Já o segundo modelo foca menos na escassez de atenção e mais na sua direção. Aqui, o que importa não é tanto a limitação do número de temas em discussão, mas sim quais temas se tornam mais salientes aos olhos do público. A atenção, nesse caso, atua como uma lente de aumento: os temas que entram em foco ganham proporções maiores do que sua relevância objetiva justificaria. Políticas públicas podem ser distorcidas ou priorizadas com base nessa saliência inflada. Após um vídeo viral mostrando um furto em uma farmácia, políticos e eleitores podem pressionar por medidas duras de segurança pública, mesmo que os dados indiquem queda nos índices de criminalidade. O episódio isolado, por sua visibilidade e carga emocional, domina a percepção e reorienta prioridades.

Por fim, o terceiro modelo propõe que a atenção não é apenas um recurso a ser disputado ou uma lente que distorce a realidade, mas também uma ferramenta que molda preferências. Então, a atenção tem poder performativo: ela não apenas reflete o que importa, mas ajuda a definir o que passa a importar. Ao direcionar a atenção do público para certos aspectos de uma política, os formuladores conseguem influenciar os valores e critérios usados para avaliá-la. Ao apresentar uma política de habitação popular não com foco em desigualdade, mas para reduzir o déficit habitacional e aquecer a economia local, o governo pode atrair o apoio de grupos que inicialmente não veriam o tema como prioridade. A atenção, aqui, reorganiza preferências ao redesenhar o enquadramento do debate.

A boa notícia é que o campo está avançando. Contudo, às vezes discutimos política como se as pessoas tivessem tempo e disposição para absorver todos os dados disponíveis e decidir com calma. Não têm. A política mais eficaz, como estamos hoje, talvez não seja a que informa melhor, mas a que exige menos da atenção de quem precisa decidir.

O mérito da revisão de Loewenstein e Wojtowicz está em destacar o papel da atenção na análise das decisões públicas. Em um contexto de sobrecarga informacional, compreender os custos cognitivos é essencial para formular boas políticas. Se atenção é um recurso escasso, usá-la — ou demandá-la — envolve escolhas com consequências. Para desenhar instituições que reconheçam isso, precisamos de mais evidência empírica e, sobretudo, entender melhor como decidimos onde colocá-la.


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