
A defesa de Jair Bolsonaro (PL) atacou nesta quarta-feira (3), durante julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal), a argumentação da PGR (Procuradoria-Geral da República) que tenta enquadrar as ações do ex-presidente desde meados de 2021 como crimes contra a democracia.
Os delitos têm importância central em eventual condenação do político. Além do peso simbólico ao significar a prisão de um ex-presidente por tentativa de golpe, eles estão entre aqueles imputados a Bolsonaro com mais tempo de prisão e são percalço na tentativa do ex-presidente de efetivar a possibilidade de uma anistia, avaliam especialistas.
Nos mesmos dias de julgamento de Bolsonaro no STF, o Congresso retomou com mais força a discussão sobre a anistia, com integrantes do centrão e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), articulando acordo para conseguir um perdão ao ex-presidente.
A anistia por crimes contra a democracia, entretanto, enfrentaria resistência e provavelmente seria revertida pelo Supremo, segundo especialistas. Eles argumentam que a tendência é que a corte vete o perdão a crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito, em consonância com o que preconiza a Constituição sobre a impossibilidade de conceder anistia a quem investe contra a própria democracia.
Os dois crimes estão previstos no Código Penal, nos artigos 359-M e 359-L, e têm penas de 4 a 12 anos e 4 a 8 anos, respectivamente. Além deles, Bolsonaro é acusado de associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Se condenado por todos os crimes, ele pode pegar mais de 40 anos de prisão e aumentar a inelegibilidade, que hoje vai até 2030.
Nesta quarta, sua defesa reforçou o argumento de que as atitudes do ex-presidente não podem gerar condenação pelos crimes contra a democracia por não se enquadrarem no texto previsto em lei.
Os advogados querem convencer os ministros do STF de que as ações de Bolsonaro desde 2021 não poderiam ser penalizadas a partir da legislação, mesmo se fosse acolhido o entendimento da PGR de que elas seriam atos antidemocráticos.
Argumentos para isso giram em torno de aspectos jurídicos e da novidade dos tipos penais. Ambos os artigos entraram na lei em 2021 e só foram tratados no contexto do 8 de Janeiro.
Para a defesa de Bolsonaro, as ações do político não deveriam ser penalizadas porque não saíram da etapa de preparação, que não seria punível na legislação.
Eles falam que a tentativa descrita na lei marca o início da execução, que dependeria do emprego de violência ou grave ameaça. Ao mesmo tempo, dizem que as ações de Bolsonaro expostas pela PGR não teriam saído da fase de preparação ao não usar da violência ou grave ameaça previstas nos artigos.
Para fechar a argumentação, tentam afastar o ex-presidente do 8 de Janeiro e do plano de matar autoridades, visto por eles como mais possíveis de se aproximarem do que é discutido nos tipos penais, haja vista a presença de violência.
Outra perspectiva trazida pela defesa é a necessidade de que a violência ou grave ameaça tenha que ser contra uma pessoa concreta e determinada, na contramão de uma interpretação mais alargada empregada pela PGR.
A defesa do ex-presidente também aposta na discussão sobre a impossibilidade de incitação contra crimes multitudinários como o 8 de Janeiro, mais uma vez na tentativa de afastar Bolsonaro do episódio.
Ao atacar os tipos penais contra a democracia em diferentes frentes, os advogados do político tentam minar os crimes que mais poderiam impedir a prosperidade de uma eventual anistia.
“Se Bolsonaro fosse absolvido dos crimes 359-L e 359-M, que são os mais graves e ligados diretamente à ideia de golpe, isso facilitaria a defesa política de uma anistia para os outros crimes. Nesse cenário, a anistia teria menos risco de ser revertida na Justiça, porque não estaria blindando crimes contra a democracia, mas delitos de menor gravidade”, afirma Welington Arruda, mestre em direito e Justiça pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa).
Interpreta da mesma maneira Diego Nunes, professor de direito da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). “O custo político aos parlamentares seria menor em anistiar apenas crimes comuns do que os crimes políticos. Mas, ainda sim, pode parecer se tratar de uma lege ad hominem [ou seja, feita para conceder impunidade a uma pessoa específica]”.
O especialista também diz que o STF teria, nesse cenário, menos chance de barrar eventual perdão dado por congressistas, uma vez que o argumento central contra a impossibilidade de anistia tem a ver com o fato de o ex-presidente estar envolto em crimes antidemocráticos.
Para o especialista, esse cenário provavelmente não geraria um efeito cascata que impedisse a condenação dos outros três crimes restantes. As penas previstas são de 3 a 8 anos para o crime de organização criminosa, com chance de agravante. Dano qualificado tem 6 meses a 3 anos de pena e deterioração do patrimônio tombado, 1 a 3 anos.
Nunes afirma que, no direito penal, a dosimetria da pena é calculada a partir do mínimo e que, nessa hipótese, “seria possível que eventual pena partisse já do semiaberto ou mesmo aberto, já que para começar em regime fechado precisa de uma pena de ao menos oito anos”.
Também para Welington Arruda, não existe um efeito cascata automático, ou seja, a absolvição nos 359-L e M não apagaria os demais crimes. “Mas, na prática, enfraquece bastante a acusação. Isso porque toda a narrativa do Ministério Público parte da ideia de golpe. Sem esse fundamento, os outros crimes perdem peso, e a leitura do contexto pode ser mais branda.”
Para a advogada criminalista Ana Carolina Barranquera, especialista em direito e processo penal, um cenário com absolvição de Bolsonaro nos crimes contra a democracia aumentaria a chance de uma anistia para os crimes restantes, que ainda poderiam gerar condenação.
“Todos os crimes são autônomos, de modo que, se entenderem que não ocorreram crimes contra a democracia, poderiam entender que ele participou do crime de dano, por exemplo.”
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