
Cerca de 30% das famílias tinham contas em atraso em julho, maior nível desde setembro de 2023, segundo a CNC; ao mesmo tempo, o endividamento com o sistema financeiro está em 48,7% da renda, pelos dados de junho do Banco Central, e o país soma mais de 78 milhões de inadimplentes, marca informada pela própria Serasa para julho.
Mais do que o número, importa a composição, bancos e cartões de crédito concentram 27,8% das dívidas negativadas e contas básicas de luz, água e gás somam 20,3%. Em um país em desenvolvimento é natural que essenciais pesem, mas o protagonismo de banco e cartão sugere que parte do nó vem do cotidiano parcelável e, às vezes, ostentáveis. É nesse descompasso que vale discutir o que pesa nas nossas escolhas quando o status entra na conta.
Parecer conta mais do que ser: no experimento, ter pesa, no máximo, 19,3% do valor de ser visto como mais rico. A evidência é preliminar e vem de estudo de Nicolas L. Bottan, Ricardo Perez-Truglia, Hitoshi Shigeoka e Katsunori Yamada.
No teste, os participantes escolhem entre dois cenários em que só três números mudam, sua renda, a renda média ao redor e quanto os outros acham que você ganha, mantendo todo o resto constante. Há duas versões de pergunta, a direta, “o que você escolheria”, e a incentivada, em que se recebe se acertar o que a maioria escolherá, o que reduz respostas socialmente desejáveis. Em média, aceita-se abrir mão de 0,259% da própria renda para aumentar em 1% o quanto os outros acham que você ganha, e 0,164% para reduzir em 1% a renda média do entorno. Em suma, parte das pessoas troca um pouco de renda por aparência de riqueza e também preferem que seus vizinhos sejam relativamente mais pobres.
Convém cautela já que os resultados são preliminares e vão ser revisados por pares, mas sem perder de vista que o mecanismo casa com o que já sabíamos. Mantida a sua renda, viver cercado por rendas mais altas costuma reduzir o bem-estar autorrelatado; em painel para os Estados Unidos, em 2005 Luttmer encontrou coeficiente positivo para a renda própria e negativo para a renda dos vizinhos, com robustez a diferentes especificações. Ou seja, nossa régua de sucesso é social, não apenas individual. Hoje, o bairro virou o feed, com colegas antigos, parentes distantes e desconhecidos exibindo versões editadas da vida, o que amplia o público para quem sinalizamos e prolonga a pressão por aparentar riqueza e sucesso.
Ainda, vale salientar que quando o topo de renda local cresce e fica mais visível, famílias de renda média passam a gastar uma fatia maior da renda, de acordo com um estudo de Marianne Bertrand e Adair Morse. Isso ocorre sobretudo em categorias “mostráveis”; um aumento de 10% no percentil 90 de renda do estado está associado a um acréscimo relevante do consumo dos não-ricos. Quando o topo aparece mais rico, o meio gasta mais justamente nos itens que são chamativos e visíveis, e boa parte disso circula em banco e cartão, justamente as linhas que lideram as negativações.
Então, manter as contas em dia e ainda poupar pede consciência de um viés humano: com frequência, queremos aparentar estar melhor do que estamos e também do que os outros. É natural, mas pode virar armadilha. Na próxima compra, no gasto recorrente, até no investimento, vale a pergunta: estou fazendo isso porque faz sentido para mim e para a minha vida, ou só para parecer mais rico do que sou?
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